239 — CRM – O que há de novo no Marketing das Organizações?

Oct 2, 2001 | Conteúdos Em Ingles

Pedro AlvesPor Pedro Gouveia Alves
Director de Departamento de Novos Canais Montepio Geral

Percorridas décadas de aprendizagem sobre a prática do Marketing por parte das grandes organizações, nas mais diversas áreas de negócio, o tema do relacionamento com Clientes volta a estar na ‘ordem do dia’. Mas será que alguma vez deixou de estar? O que as empresas entendem por CRM? Esta ‘buzz-word’ que, à letra se desenvolve em Customer Relationship Management ou Continuous Relationship Marketing, entende-se pela forma como as organizações hoje perseguem a ambição de tratar, com método, do seu principal activo–Os Clientes. E, nas grandes organizações, o desafio redobra-se na necessidade de continuar a tratar dos Clientes da mesma forma como as antigas mercearias de bairro tratavam dos seus fregueses: com sabedoria, conhecedoras das necessidades de cada um da sua clientela, com serviço personalizado, gentil e oportuno. O desafio é ‘massificar a personalização’.

CRM está longe de se encerrar numa ferramenta informática, não é um sistema de informação e muito menos uma ciência ou, por si só, uma técnica. Muito mais do que isso, CRM é uma atitude, um alinhamento organizacional no sentido de potenciar, a cada momento, a interacção com os Clientes por forma a criar valor mútuo, quer para o Cliente, quer para a Organização. Numa só palavra, CRM é Marketing.

Relembrar o ‘Activo–Cliente’

Já tive oportunidade de contactar com muitas experiências empresariais no domínio da gestão do relacionamento com Clientes, quer através da minha experiência profissional, quer através de abordagens de conceituadas empresas de consultoria, e mesmo com casos de sucesso expostos em palestras, conferências, seminários. Essas experiências têm ajudado decisivamente a enriquecer a minha própria visão de CRM. Numa primeira abordagem, as preocupações dos gestores das grandes organizações centram-se na necessidade de relembrar o quanto importante é, para a empresa, voltar-se para o Cliente. Não apenas no sentido mais distante ou lato do termo, mas sim de forma pragmática, consistente, e com objectivos claros de valorização desse activo que o cliente representa.

Das melhores abordagens com que tive oportunidade de contactar, o conceito de Continuous Relationship Marketing pareceu-me o mais completo, pois encerra um conjunto de preocupações no domínio da gestão de Clientes, sem abandonar nunca a importância do conjunto de variáveis que concorrem para a gestão de marketing da organização, nomeadamente a gestão da comunicação e dos canais de distribuição utilizados, bem como aspectos relacionados com a estratégia e táctica na gestão da carteira de oferta e sua adequação às necessidades concretas manifestadas por estímulos do comportamento dos Clientes na sua interacção com a organização.

Desafios à Organização

Através de uma introspecção sobre a forma como as estruturas das nossas organizações se articulam, rapidamente se conclui que estamos longe de poder formular ‘receitas’ para a implementação de um programa de CRM numa empresa. Há, contudo, um conjunto de factores a considerar para a implementação de uma atitude de CRM:

Empenhamento:
1.º – Há, ou não, empenho objectivo por parte do ‘Board’ da organização, nomeadamente do seu CEO? Considera a administração que a gestão do relacionamento com a sua base de Clientes é estratégica para o futuro da empresa?

Organização Comercial:
2.º – A estrutura comercial está vocacionada para trabalhar numa lógica de Objectivos e Incentivos individuais e de grupo?

3.º – A estrutura comercial é remunerada em conformidade com a quantidade de produtos vendidos ou com base no crescimento do envolvimento comercial dos Clientes?

4.º – Que flexibilidade existe na ‘fabricação’ do produto ou serviço?

Relação Cliente:
5.º – Como estão organizados os fluxos de informação na organização entre o ‘back-office’ e o ‘front-office’?

6.º – As ferramentas de apoio aos pontos de contacto (canais) com os Clientes estão organizadas numa lógica-produto ou numa lógica-Clientes?

Gestão do Conhecimento:
7.º – Como é que os sistemas de informação tratam os ‘estímulos’ resultantes do conhecimento do comportamento dos Clientes na interacção com a organização? Há pesquisas sistemáticas sobre relações causa-efeito?

Uma grelha tipo ‘check-list’, catalogando as principais preocupações da organização com estes aspectos ajudaria, mais exaustivamente, a fazer um diagnóstico por forma a preparar a estrutura para o desafio do CRM. Concomitantemente, retira-se desta reflexão que o sentido, a orientação estratégica de um projecto de fundo de CRM na organização passa pelo ‘top management’ e pela definição clara das regras de negócio, de quem gere, ou de quem virá a gerir o negócio. Os impactos de gestão de mudança ao nível dos recursos humanos e tecnologia são instrumentos de prossecução da estratégia.

Um ‘Business-Plan’

De forma a que os envolvidos no projecto apresentem elevados níveis de auto-exigência, importa saber exactamente quais as expectativas quanto aos resultados de implementação de uma filosofia de CRM na empresa. Como em qualquer análise de projectos, uma reflexão sobre o retorno do investimento realizado estimulará, quer os colaboradores envolvidos com responsabilidades operacionais, quer o ‘top management’.

Portanto, a resposta à simples questão ‘objectivamente, o que vou ganhar com isso?’ pode ajudar ao empenho global da organização na implementação de um programa de CRM.

Que expectativas?

É importante ter presente que um dos factores-chave do sucesso de implementação de programas de CRM é a informação e a forma como esta está estruturada numa perspectiva de marketing, vital para dar à organização capacidades de discriminar a interacção com Clientes (numa óptica one-to-one). Um dos principais factores a ter em consideração é o facto de a organização ter a consciência de que há diferenças entre os Clientes, há Clientes que valem mais, ou que poderão vir a valer mais. A resposta a esta questão não é fácil e pressupõe uma organização de informação adequada à quantificação, a cada momento, do valor do Cliente, no passado, presente e futuro. Daí que, claramente, há organizações que poderão levar mais vantagem do que outras na implementação de filosofias de CRM.

Há, no entanto, um conceito importante a considerar na implementação de um programa de CRM, independentemente do tipo de organização: a capacidade existente de participação no valor total afecto pelo Cliente à satisfação das suas necessidades ao longo das fases do seu ciclo de vida como Cliente–o ‘share-of-wallet’. As organizações sabem que não estão sozinhos no mercado. Têm concorrentes. E sabem também que os seus Clientes interagem com os concorrentes em busca da satisfação das suas necessidades. Portanto, o gestor coloca a questão: ‘que capacidade tem a minha empresa de ‘ocupar’ 100 por cento do valor do Cliente X?’. Nada mais ilustrativo da realidade que revela que a competição de hoje centra-se no Cliente, mais do que no mercado.

Todas as experiências apontam para que a concentração de recursos escassos da organização no tratamento de Clientes com maior capacidade de gerar valor ao longo das suas fases do Ciclo de Vida tem um retorno quase imediato e impacto directo nos resultados da empresa, porquanto as expectativas relativas ao retorno do investimento no tratamento de Clientes com maior potencial podem colocar-se numa fasquia elevada.

‘Good service pays. Bad service costs’

Não serei exaustivo em descrições sobre qualidade na prestação do serviço ao Cliente. No entanto, parece-me importante sublinhar que a organização deve ter em linha de conta o percurso expectável do Cliente ao longo das fases do ciclo de vida enquanto Cliente da empresa, bem como a sua capacidade de gerar valor a cada momento.

Um resultado positivo da gestão do relacionamento ‘pagará’ os investimentos. Abaixo do previsto, indiciará ineficiências da organização na gestão desse relacionamento. Desta forma, temas como a gestão de reclamações e alertas sobre abandonos prováveis de Clientes são importantes na gestão do Ciclo de Vida.

De uma forma mais pragmática, tenta-se sempre encontrar três grandes etapas e as formas de interacção que as caracterizam: a captação, a repetição de compra e o respectivo no incremento da complexidade na relação, e a ‘parceria’ (etapa em que o Cliente e a organização chegam a um grau de relacionamento correspondente a ‘satisfação total’–do Cliente, que se tornou num ‘apóstolo’ da empresa, recomendando-a e enfatizando as suas boas experiências; da Organização, que maximizou o valor da relação com o Cliente e construiu, de forma natural, barreiras à sua saída).

O conceito de Continuous Relationship Marketing encerra assim um conjunto de aspectos que concorrem para uma eficaz gestão continuada dessa relação, sempre numa perspectiva de incremento do valor-Cliente.

A ‘Árvore’ e a ‘Floresta’

O desafio da gestão, enquadrado neste leque de preocupações, será a necessidade de estabelecer o equilíbrio entre a ‘bigpicture’ do projecto, suas motivações e objectivos, e a ‘ponta do Icebergue’. Concretamente, dos casos de sucesso na implementação de projectos que conheço, nenhum começou pelo todo, mas sempre por uma parte, sem perder de vista o horizonte do todo. Começar por implementar partes do projecto relacionadas com aspectos de negócio muito particulares onde se possa medir relações causa-efeito de forma circunscrita, é uma boa aproximação.

Hoje, é muito utilizada uma aproximação à gestão de CRM através da implementação de programas de partilha de informação comercial e de relacionamento multicanal com Clientes, ou começando por integrar a informação de Clientes gerando informação de base que permite ‘fotografar’ a relação do Cliente com a organização. São exemplos de como dar os ‘primeiros passos’ ganhando experiência e obtendo resultados parcelares encorajadores da continuação para as etapas seguintes. Isto porque, quando falamos de CRM, para olhar para a floresta, primeiro, é preciso plantá-la … árvore a árvore.

Em Foco – Pessoa