2118 — O Basileia II e a importância da abordagem da relação com o cliente na banca. Por Filipe Samora, Grupo de Trabalho de Business Intelligence

Jun 2, 2003 | Conteúdos Em Português

O novo acordo de Basileia irá colocar um conjunto importante de desafios ao sector da banca. A alocação de fundos próprios para cobrir os diferentes tipos de risco (incluindo o ‘novo’ risco operacional) deixará de ser rígida como até agora, passando a ser mais sensível ao valor (rating) que cada cliente tem dentro da instituição. Para os bancos isto poderá representar poupanças significativas a longo prazo, mas implicará certamente um forte investimento em ferramentas de suporte à decisão e em recursos humanos qualificados para agir em conformidade.

A génese do actual acordo de Basileia

Da autoria do Basel Committee on Banking Supervision, o actual acordo de capital data de 1988 , tendo sido transposto para as directivas comunitárias a partir de 1989.

Também conhecido por “Rácio Cooke”, o actual acordo tem aplicação na industria bancária em mais de 100 países, apesar de ter sido inicialmente concebido apenas para os bancos internacionalmente activos de 13 países. O Basileia I sofreu, contudo, uma revisão substancial em 1996 com vista à separação de riscos de mercado e riscos de crédito.

Os riscos de mercado são decorrentes das actividades da carteira de negociação e de divisas, enquanto os riscos de crédito prendem-se com as actividades globais da banca, exceptuando as anteriores. A regra fundamental do acordo de capital em vigor estabelece que o rácio entre fundos próprios e activos ponderados (pelo risco de crédito e de mercado) terá de ser igual ou superior a 8 por cento, sendo que, por exemplo, o ponderador para crédito a particulares é, invariavelmente, de 100 por cento.

A necessidade de um novo acordo de capital

É um dado adquirido que a realidade financeira actual se situa a alguns anos luz daquela que tínhamos em 1988: registaram-se avanços consideráveis nas técnicas de medição e gestão dos riscos bancários, houve avanços crescentes na sofisticação ao nível da supervisão a par de crises nos mercados emergentes nos últimos anos.

O Comité de Basileia entendeu que seria benéfica para a economia mundial a introdução de um regime internacional ao nível dos requisitos de capital na actividade financeira que permitisse combater a arbitragem regulamentar nacional e que servisse simultaneamente de benchmark da solvabilidade dos bancos.

Os três pilares fundamentais e os objectivos do Basileia II

O primeiro pilar do acordo de Basileia II visa essencialmente aumentar a sensibilidade dos requisitos mínimos de fundos próprios aos riscos de crédito e cobrir, pela primeira vez, o risco operacional (com este novo acordo, as entidades bancárias serão obrigadas a alocar capital para cobrir, por exemplo, falhas humanas, incluindo fraudes, e desastres naturais).

O segundo pilar vem reforçar o processo de supervisão quanto à suficiência de montante de capital nos bancos, enquanto que o terceiro pilar visa implementar uma disciplina de mercado com vista a contribuir para práticas bancárias mais saudáveis e seguras. De acordo com este último pilar, os bancos terão de divulgar mais informação sobre as fórmulas que utilizam para gestão de risco e alocação de capital.

O objectivo do Basileia II não é aumentar os fundos próprios regulamentares actualmente detidos pela globalidade do sistema financeiro, mas sim redistribuir os requisitos entre as instituições, premiando as que utilizem as metodologias de medição mais sensíveis ao risco (Pilar 1) e que divulguem, em detalhe, a gestão de risco e os processos de controle adoptados (Pilar 3 ) .

As opções do primeiro pilar para o risco de crédito

Uma das grandes novidades do Basileia II é a introdução de três métodos para calcular o risco de crédito: o método standard, método dos ratings internos versão simplificada (foundation) e avançada (advanced).

O método standard é o mais simples de implementar até porque é, em quase tudo, semelhante ao actual acordo de capital , introduzindo, no entanto, uma maior sensibilidade ao risco dos activos de crédito.

Assim, o método standard introduz ponderações de risco mais diferenciadas através de recurso aos ratings de agências de notação reconhecidas. Por exemplo, o coeficiente de ponderação das exposições de retalho não hipotecárias passa a ser 75 por cento (contra os actuais 100), enquanto que o coeficiente para créditos hipotecários sobre imóveis para habitação passa dos actuais 50 para os 35 por cento.

O método dos ratings internos (versão simples e avançada) é inovador no sentido em que permite, em certas condições e sob vigilância atenta das entidades de supervisão, que sejam os próprios bancos a ‘classificar’ os seus clientes de acordo com o risco de crédito que representam, dando alguma margem de manobra à alocação de fundos próprios, obtendo, deste modo, potenciais poupanças (rácio fundos próprios / activos ponderados inferior a 8 por cento, sendo que o ponderador para crédito a particulares pode ir até aos 75 por cento, contra os actuais 100).

No entanto, o Comité de Basileia estipula alguns critérios para o uso do método dos ratings internos. O Basileia II estabelece, por exemplo, o reconhecimento pelas autoridades de supervisão nacionais dos métodos, sistemas e processos internos de atribuição de rating e de quantificação do risco de crédito; a avaliação independente, mesmo que realizada internamente pelo banco, da atribuição dos ratings, no mínimo anualmente; e procedimentos de stress testing quanto à adequação de capital pelo banco (por exemplo, como é que o banco reagiria em cenários de crise económica ou sectorial ).

O reforço do processo de supervisão (Pilar 2)

O reforço da supervisão tem um duplo objectivo. Por um lado, assegurar que os bancos possuem nível adequado de fundos próprios para cobrir os riscos da sua actividade. Por outro, para incentivar os bancos a usarem técnicas de medição e de gestão dos riscos cada vez mais avançadas.

Isto implicará também que os bancos serão classificados (benchmarking) de acordo com as suas práticas de alocação de capitais próprios (o que permitirá às autoridades de supervisão, por exemplo, decidir se um banco está ou não em condições de adoptar o método avançado de ratings internos).

As autoridades de supervisão serão dotadas de poderes que lhes permitem actuar de forma a evitar que os bancos não detenham fundos próprios adequados ao seu perfil de risco, podendo, inclusivamente, exigir medidas correctivas.

Disciplina de mercado a aplicar em base consolidada (Pilar 3)

O objectivo aqui é implementar um conjunto de requisitos de divulgação de informação por parte dos bancos com vista a contribuir para uma melhor avaliação do perfil de risco dos mesmos por terceiros.

Os bancos deverão assim tornar públicas, numa base semestral ou até trimestral, as técnicas que utilizam para identificar, medir e controlar os riscos de crédito, de mercado e operacional bem como as políticas, processos e instrumentos utilizados nas técnicas de redução de riscos e montantes cobertos.

O andamento do Basileia II

· Outubro de 2002 – Foram divulgados os resultados de um estudo de impacto quantitativo (QIS 3) realizado nos principais bancos dos países do G10 e da UE.

· Dezembro de 2002 – Resposta dos bancos ao QIS 3 através das entidades de supervisão.

· Abril de 2003 – Foi divulgado o 3º e último documento de consulta (CP3).

· 31 de Julho de 2003 – Respostas dos bancos ao CP3, directamente ou através das entidades de supervisão.

· 4º trimestre de 2003 – Novo acordo de capital.

· 1º trimestre de 2004 – Proposta de directiva a apresentar pela Comissão Europeia, com base nas conclusões do novo acordo de capital.

· 31 de Dezembro de 2006 – Entrada em vigor do Basileia II

Os resultados do QIS3

Apesar dos resultados se reportarem apenas a grandes bancos, em particular àqueles internacionalmente activos, vemos que (Tabela 1) a introdução do risco operacional trouxe um aumento significativo no capital necessário, calculado através do método actualmente em vigor, o standard  (no Grupo 1 dos bancos do G10, esse aumento cifrou-se em 11%).

As poupanças mais significativas registam-se, sem dúvida, ao nível dos métodos de rating internos (Tabelas 2 e 3), isto é, naqueles em que os sistemas de apoio à decisão suportados por recursos humanos qualificados terão um peso crucial. Ao nível do risco operacional, os bancos terão tudo a ganhar se conseguirem também separar as águas entre transacções legais e fraudulentas.

O novo acordo de Basileia vem sobretudo reforçar o papel da decisão baseada em informação. A exigência reforça-se ao nível das ferramentas de suporte à decisão, nomeadamente na classificação interna dos clientes do banco e na simulação de cenários de crise, mas também, e quiçá sobretudo, na qualificação de recursos humanos que saibam interpretar esses dados e tomar as melhores decisões.

É o acesso a informação com qualidade que permitirá fazer toda a diferença, tomando um exemplo concreto, entre aquele banco que recusa crédito à habitação a um jovem por alegada falta de garantias e aquele outro que aceita porque ‘sabe’ que esse jovem é filho de um dos melhores clientes. A interdependência das variáveis é cada vez mais palavra de ordem nos processos de tomada de decisão. A nova directiva europeia, a ser aprovada no próximo ano, também não deixará grandes veleidades em relação a esta matéria.

Filipe Samora
2003-06-02

Para saber mais clique aqui

Consulte também:

· “Pense em vantagem competitiva, não em normas de regulação. Por José Yañez, Business Development Manager da SPSS Espanha”

· “IDC: Basileia II irá impulsionar investimento em BI no sector bancário da Europa Ocidental”

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