2219 — Basileia II é difícil mas necessário, concluem especialistas

Jul 3, 2003 | Conteúdos Em Português

Com entrada em vigor prevista para o início de 2007 e alvo de directiva comunitária em 2004, o Basileia II promete revolucionar a forma de cálculo dos capitais de risco a alocar pelo sector bancário. Num debate promovido ontem em Lisboa pelo Instituto Superior de Gestão Bancária, vários especialistas concluíram que este novo acordo beneficiará sobretudo os bancos internacionalmente activos e a banca retalhista. Neste encontro, onde não faltaram críticas ao novo acordo de capital, foi também sublinhada a importância dos sistemas de Business Intelligence na captação de poupanças na banca.

Luís Mira Amaral, vice-presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD) e ex-ministro da Indústria e Energia dos governos de Cavaco Silva, referiu que este acordo serve a especificidade do sector bancário em relação a outros sectores da economia:

“Há uma grande diferença entre uma empresa da economia real e um banco no sistema financeiro. É que quando uma empresa industrial ou de serviços entra em dificuldades, tal não se propaga a toda a economia, ao passo que num banco há o risco das suas dificuldades se propagarem a todo o sistema,” referiu.

O novo acordo de Basileia prescreve ao sector da banca um capital mínimo que sirva de caução e responda pelas perdas não esperadas. Enquanto que o Basileia I apenas estipulava a alocação de fundos próprios ao risco de crédito e de mercado, o novo acordo de capitais introduz o risco operacional, resultante de falhas humanas ou catástrofes naturais.

Para Vasco d’ Orey, director coordenador da gestão de risco da CGD, o risco operacional é “uma válvula de escape para efeitos de consumo de poupanças conseguidas através de novas metodologias de aferição de consumo de capital”.

O Basileia II está assente sobre 3 pilares: o primeiro pilar estipula os requisitos mínimos de fundos próprios para a cobertura de riscos de crédito, de mercado e operacionais; o segundo pilar reforça o processo de supervisão quanto à adequação do capital enquanto que o terceiro se refere à disciplina de mercado, no sentido em que os bancos devem dar mais informação aos mercados (“disclosure”) por forma a que estes possam avaliar mais adequadamente os riscos dos mesmos.

O comité do Basileia II estipula que a “disclosure” actualmente existente sobre a forma como os bancos gerem o binómio risco/rentabilidade terá de ser melhorada através do fornecimento ao mercado de informação essencial sobre a afectação de capital e dos riscos em que incorrem.

Os riscos de crédito e operacionais são passíveis de três abordagens, sequencialmente mais complexas: uma abordagem standard baseada em ratings externos e duas abordagens baseadas em ratings internos (IRB).

Na abordagem IRB simples, a perda esperada em termos de incumprimento face ao crédito concedido é calculada assumindo os valores padrão fixados pelo regulador (supervisão) enquanto que na abordagem IRB avançada é o banco que vai estimar todos os componentes de risco relevantes (PD, LGD e EAD).

Isto significa, ou poderá significar, poupanças a médio/longo prazo para os bancos que consigam detectar quais os clientes menos susceptíveis a incumprimento, alocando, desta forma, menos fundos próprios.

“Há aqui uma evidente ‘trade-off’ entre os bancos, os reguladores e o mercado. Por um lado, dar-se-á mais liberdade aos bancos para calcularem a qualidade dos seus activos, mas por outro lado reforçam-se os mecanismos de supervisão bancária e de disciplina de mercado sobre a gestão dos bancos,” acrescentou Luís Mira Amaral.

Para o ex-ministro da Indústria ganharão os bancos que tiverem começado a alocar capital numa base económica e possuírem quer técnicas avançadas de gestão de risco, quer técnicas de mitigação de risco de crédito. Perderão os bancos que fiquem na abordagem “standard”, os créditos a empresas ‘non investment grade’, os empréstimos a mercados emergentes ou que tenham actividades de não crédito.

“Neste contexto, a banca retalhista será beneficiada em relação à banca universal, pois esta tem actividades que vão ser penalizadas pela introdução do risco operacional”.

Críticas ao acordo

Mas o Basileia II está longe de ser uma questão pacífica. Mira Amaral destacou as repercussões negativas que o acordo terá no acesso ao crédito por parte das PME, pois estas terão teoricamente pior cotação – logo maior probabilidade de incumprimento –, quer nos ratings de agências externas, quer nos bancos que utilizem o método IRB avançado. O chanceler alemão Gerahrd Schroeder já rejeitou publicamente este novo acordo de capitais pelo impacto negativo que causará na estrutura económica dos länder alemães.

Vasco d’Orey foi ainda mais longe ao afirmar que o Basileia II contem omissões quanto à questão da liquidez financeira e dos riscos legais e reputacionais. No caso português, este responsável da CGD conclui que o novo acordo terá alguma dificuldade em vingar sobretudo devido a uma questão de mentalidades:

“No caso português, existe um número reduzido de jogadores com uma grande quota de mercado e um grande número de jogadores com uma pequena quota de mercado. Paradoxalmente, aquelas instituições que conseguem comportar os custos associados ao Basileia II – nomeadamente em ferramentas de suporte à decisão e em consultoria – são aquelas onde irá ser mais difícil uma alteração cultural”.

Em relação aos sistemas de suporte à decisão, Stephen Skrobala, director, Oracle Financial Services da Oracle EMEA, referiu que a banca terá tudo a ganhar com o investimento nestas ferramentas “porque servirão não apenas para responder aos requisitos do Basileia II, mas também para reorganizar todo o fluxo de informação dentro da empresa, permitindo tomar decisões com base em inteligência”.

Apesar de alguns estudos considerarem que neste momento apenas 22 bancos a nível europeu estão preparados para adoptar o método IRB avançado e não obstante também algum celeuma causado pelo facto de alguns indicadores apontarem para o facto de apenas os grandes bancos americanos irem adoptar o Basileia II (em virtude da futura directiva europeia prescrever o acordo a todos os bancos europeus), Stephen Skrobala está, ainda assim, optimista:

“Acreditamos que o acordo terá aplicação na generalidade da banca. No caso americano, os bancos que irão adoptar as normas do Basileia II representarão cerca de 99 por cento da banca como um todo”.

Alguns especialistas estimam que o Basileia II representará um investimento de 2,10 biliões de euros para 30 mil bancos num horizonte de cinco anos.

Filipe Samora
2003-07-02

Centro de Informação-DATABASE & BUSINESS INTELLIGE
Consultoria – Advice
Em Foco – Opinião