(XIV) Contratos Telefónicos e Centros Telefónicos de Relacionamento

Apr 13, 2021 | Uncategorized

Quadro geral do Regime Jurídico dos Contratos Telefónicos

O telefone e os meios de telecomunicação em geral sempre desempenharam um papel histórico fundamental nas relações económico-sociais, sendo meios de comunicação fundamentais para a constituição, manutenção e extinção de relações jurídicas. O paradigma de uma Sociedade Digital[efn_note]Sobre a Agenda Digital da UE e de Portugal, cfr., respectivamente (European Comission, sem data) e (Governo de Portugal, sem data).[/efn_note], num contexto de globalização e digitalização das relações e num quadro de convergência dos meios de comunicação, vem atribuir uma importância crucial às tecnologias de informação e comunicação no âmbito das relações jurídicas e, em especial, no âmbito das relações jurídicas de consumo, ganhando o instituto dos contratos telefónicos e o instituto dos contratos electrónicos uma maior centralidade.

 

Importância da contratação telefónica nos CTR

O tema e o regime jurídico da contratação telefónica, apesar de não serem específicos da realidade dos CTR, são cruciais para a sua actividade, porque nos CTR toda a contratação é, por definição, contratação telefónica[efn_note]Apesar de, obviamente, a contratação telefónica nos CTR poder estar integrada com outras técnicas de comunicação à distância, designadamente e sobretudo, quer com o correio tradicional, quer com os novos meios de comunicação digital no âmbito da Internet.[/efn_note]. A problemática dos contratos telefónicos adquire no âmbito de actividade dos CTR uma particular centralidade, justificando-se assim o estudo e compreensão das particularidades do respectivo regime.

 

Conceito e espécies de contrato telefónico

Em sentido amplo, contrato telefónico é todo e qualquer contrato celebrado oralmente ou por escrito através de um meio de telefonia. Esta noção ampla de contrato telefónico permite, em primeiro lugar, identificar as duas espécies fundamentais de contratos telefónicos, distinguindo entre os contratos telefónicos orais dos contratos telefónicos escritos e, em segundo lugar, compreender a característica essencial distintiva desta categoria de contratos: um meio de telefonia é, por definição, sempre, em qualquer das suas formas[efn_note]É possível agrupar os múltiplos tipos de meios de telecomunicação ou telefonia em quatro grandes categorias: meios de telefonia fixa (incluindo o telefone e o telefax), meios de telefonia móvel (incluindo o telemóvel e outros meios de radiocomunicação), meios de telefonia sobre protocolos de internet e meios de telefonia integrados em sistemas de vídeo (em que, ao carácter oral da comunicação acresce a componente de imagem).[/efn_note] fixas, móveis, de voz sobre internet ou de vídeo-telefonia, uma técnica de comunicação à distância[efn_note]Ínsita à noção de telefonia está a característica não-presencial da comunicação.[/efn_note].

Os contratos telefónicos celebrados por forma escrita, quer através de telefax, quer através mensagens escritas, têm características idênticas aos contratos celebrados por forma escrita através das outras técnicas de comunicação à distância, não exigindo, na perspectiva da protecção dos interesses e direitos do consumidor, diferenças particulares de regime jurídico. A situação é radicalmente diferente com os contratos telefónicos orais[efn_note]Uma noção restrita de contratos telefónicos reduz o universo destes contratos aos contratos celebrados oralmente através de um meio de telefonia – sendo esta a noção relevante para efeitos de Direito do Consumo.[/efn_note], que, pelo facto de cumularem a caraterística da oralidade com a característica da comunicação à distância, fragilizam a posição do consumidor, justificando-se a adopção de um regime jurídico específico para protecção dos respectivos interesses e direitos.

 

Enquadramento doutrinal e conceptual

É curioso constatar a escassa investigação científica e tratamento doutrinal, quer no âmbito do Direito Civil em geral, quer, sobretudo, no âmbito do Direito do Consumo em Portugal, incidente sobre a problemática da contratação telefónica, (i) face à história secular de utilização do telefone como meio de comunicação para contratação à distância, (ii) face à crescente importância económico-social dos meios de telecomunicação numa sociedade digital caracterizada pelo recurso a meios de contratualização em massa e (iii) face à particular fragilidade e assimetria relacional em que se encontra a posição do consumidor no âmbito da contratação telefónica oral.

Curiosa é também a comparação entre a escassez doutrinal sobre os contratos telefónicos e a relativamente abundante doutrina sobre os contratos electrónicos “strictu sensu”[efn_note]O conceito de contratos electrónicos “strictu sensu” pretende referenciar os contratos electrónicos celebrados através de correio electrónico, mensagens ou interacções escritas através da Internet. Os contratos celebrados através de sistemas de voz sobre protocolos de Internet ou através de sistemas de vídeo-telefonia sobre protocolos de Internet, são, sem dúvida, em ambos os casos, contratos telefónicos, mas podem e devem ser integrados numa categoria mais ampla de contratos electrónicos “latu sensu”.[/efn_note]. Esta situação doutrinal é justificada eventualmente pela novidade do tema dos contratos electrónicos “strictu sensu”, mas é claramente paradoxal, quer pelo facto de, no âmbito dos contratos telefónicos, o consumidor estar mais desprotegido e fragilizado do que nos contratos electrónicos “strictu sensu”, quer pelo facto de o volume de contratos telefónicos ser significativamente superior ao volume dos contratos electrónicos “strictu sensu”.

 

Contratos telefónicos e contratos electrónicos

O telefone e os meios de telecomunicação oral têm ainda hoje uma maior utilização do que os meios electrónicos “strictu sensu“ no domínio da constituição, manutenção e extinção das relações jurídicas. A importância relativa do telefone e dos meios de telecomunicação oral vai contudo esbater-se com o fenómeno da convergência digital e electrónica dos meios de comunicação.

A realidade das comunicações digitais e electrónicas vai exigir à doutrina jurídica[efn_note]Cfr., a propósito da a problemática dos contratos electrónicos na doutrina jurídica, entre outros, por ordem cronológica, (Monteiro, 1999), (Ascensão, 2003), (Larisma, 2004), (Pereira, 2004), (Rocha, Marques, & Lencastre, 2004), ( Leitão, 2012) e (Homem, 2013).[/efn_note] um novo enquadramento do instituto dos contratos electrónicos, de forma a, por um lado, poder integrar num conceito amplo de contratação electrónica, os meios de contratação telefónica, que são hoje já considerados formalmente meios de comunicação electrónica[efn_note]Designadamente para efeitos de delimitação do universo de serviços essenciais – cfr., supra, Cap. 7.1.4.[/efn_note] e, por outro lado, poder responder aos desafios lançados pela emergência e aplicação de novas técnicas de comunicação no âmbito das relações jurídicas.

 

Problemas fundamentais da contratação telefónica na perspectiva dos CTR

A construção de um novo modelo jurídico de compreensão da realidade dos contratos electrónicos “latu sensu“ e da respectiva integração dos contratos telefónicos extrapola o âmbito desta investigação.

Na perspectiva dos CTR, é possível identificar três problemas fundamentais no âmbito da contratação telefónica:

(i) autonomizar, no âmbito da protecção geral do consumidor, o direito ao atendimento e ao contacto telefónico, o direito à informação telefónica e o direito à assistência telefónica;
(ii) conhecer as regras específicas da contratação telefónica no quadro da contratação à distância;
(iii) conhecer as linhas de força do regime das comunicações telefónicas não solicitadas.