António Borges foi o convidado de honra do jantar debate do 12.º Congresso das Comunicações da APDC (Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações), que decorreu ontem à noite no Convento do Beato, em Lisboa.
Afirmando que era a primeira vez que participava no evento da APDC, o responsável da Goldman Sachs, começou por sublinhar o reconhecimento de que se trata de um dos grandes momentos da nossa cena económica.
Propondo-se falar da importância económica do sector das comunicações e das formas de encarar e ultrapassar o actual momento de crise, António Borges relembrou que as pessoas que estão nesta sala têm importantes responsabilidades com o futuro e descansou os presentes afirmando que num cenário de crise mundial, Portugal está menos mal.
A nível mundial vivemos hoje uma situação de dificuldade que em certa medida é uma transição natural depois de uma década de expansão. António Borges relembrou que na década de 1990 se viveu um período de crescimento recorde, em que se assistiu a um constante ultrapassar das expectativas, muito além daquilo que se pensava possível. E tudo graças a um aumento exponencial da competitividade sempre muito ligada à inovação e à tecnologia.
Os EUA são o exemplo acabado desta situação, e o responsável da Goldman Sachs sublinha a existência de um indicador muito importante: um crescimento a um ritmo muito rápido e com muito pouco investimento. Nomeadamente nos EUA cresceu-se com pouca poupança, com pouco investimento, mas com ganhos de eficiência enormes, e muito graças à tecnologia.
A produtividade depende directamente dos níveis de inovação
E se do outro lado do Atlântico se mantêm níveis de produtividade elevados isso é apenas porque existe uma necessidade constante de substituir as formas tradicionais de trabalho, que obriga a constantes inovações.
O problema é que toda esta situação acabou por ser levada longe demais. Em 1999/2000 houve muitos excessos e principalmente de confiança que deixou que fossemos longe demais. E o sector das telecomunicações acabou por ser um dos mais afectados com a crise que se instalou.
Agora resta aguentar uma fase de travagem para depois podermos recomeçar de forma mais sólida. E António Borges deixa o alerta: Mas há uma coisa que não podemos perder de vista, sob o risco de deixarmos passar a oportunidade, estamos numa fase de mudança!.
Para os mais cépticos, o responsável da Goldman Sachs deixou a previsão de que vamos ser surpreendidos pela capacidade da nova economia se afirmar. Exemplo disso, reforçou, são os elevados níveis de produtividade que se continuam a viver nos EUA, mesmo com o abrandamento do investimento.
Passando para uma perspectiva nacional da crise, António Borges afirmou que a situação vivida pelos norte-americanos encontra paralelo em Portugal no momento em que o nosso País entrou na União Europeia e a perspectiva de adesão ao Euro passou a ser uma certeza. Estávamos numa fase de confiança em nós próprios, que se modificou radicalmente com a entrada para o Euro, a partir desse momento passamos para uma situação em que o nosso nível de endividamento pode ser maior, o que nos abriu novas oportunidades.
O economista recordou que entrámos numa fase de desgoverno em que passámos a viver acima das nossas possibilidades, as despesas foram tantas e os níveis de endividamento do País subiram de tal forma, que só se estranha que o FMI não tenha intervido. Gastou-se dinheiro em despesas pouco produtivas e investimentos mal orientados. E, afirmou António Borges, este é um ponto fundamental, porque o novo paradigma não é avaliado pelo quanto se investe, mas pela qualidade do investimento.
Portugal está vulnerável porque andou a perder competitividade
A nível empresarial, o cenário não é mais optimista. Estamos muito mais vulneráveis porque andamos a perder competitividade. Se hoje à nossa volta vemos tanto pessimismo é porque as empresas estão hoje muito frágeis pela perda de competitividade. Além disso, temos empresas economicamente debilitadas e que não tem onde ir buscar apoio financeiro, principalmente porque o mercado de capitais foi uma das maiores vítimas de uma década de excessos. E as empresas têm grandes responsabilidades nesta situação.
Para António Borges, as empresas portuguesas trataram muito mal o mercado. Não souberam apresentar o mínimo de rigor que desse segurança ao investidor, nem souberam aceitar a soberania do investidor.
Quem está em défice e em situação financeira precária não é só o Estado, mas também as empresas… a descapitalização do País é uma situação generalizada, sublinhou o economista, para quem a única saída desta situação passa pela venda de activos. Não admira, portanto, que se instale a preocupação com a mudança dos centros de decisão.
Apesar do quadro negro traçado, António Borges é um optimista e considera que nem tudo está perdido, que ainda vamos a tempo da recuperação económica. Mas para isso é preciso que o País não mantenha um elevado nível de endividamento externo, que trave os hábitos de consumo e que regresse à sua modesta situação.
Numa visão mais politizada da situação, António Borges criticou o clima de crispação que se vive no País, o qual não permite lucidez no diálogo e na resolução dos problemas. Temos que tentar construtivamente encontrar soluções.
Estado funciona como travão da economia
E nenhuma solução será possível sem uma reforma do Estado, sem uma modernização efectiva do Estado, porque é patente a forma como a sua actuação afecta negativamente a economia e a perda de eficiência das empresas. Enquanto o Estado continuar a absorver recursos irá funcionar como um travão para a economia, frisou o economista que criticou ainda as ameaças de greve geral quando, na sua opinião, o que pode estar em causa são os próprios postos de trabalho.
Quanto a soluções, António Borges aconselhou que se acompanhe rapidamente este novo paradigma da inovação tecnológica e que se aposte na qualificação e no capital humano, a pensar no grande mercado da Europa.
Especificamente para os presentes relembrou que as telecomunicações são um sector com empresas sólidas, com bons exemplos de gestão e internacionalização. Mas para que a recuperação económica seja efectiva é necessário força financeira, pelo que é fundamental ter bons parceiros, mas também é preciso ter em atenção para saber se os nossos melhores aliados não serão também a nossa maior ameaça.
Para o economista, estamos a atravessar um momento crucial da história do nosso país, alcançamos uma grande vitória ao entrar no pelotão da frente do Euro. Mas subsistem algumas dúvidas: não sei se seremos capazes de acompanhar o que se passa por essa Europa fora.
A terminar, António Borges deixou o repto: Julgo que temos todos muito a fazer e não há tempo a perder.
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