1239 — Inovação e concentração no centro das preocupações

Dec 2, 2002 | Conteúdos Em Português

O último painel da 12.ª edição do Congresso da APDC foi dedicado ao tradicional debate anual sobre as comunicações em Portugal, que, como também é tradição, contou com a participação dos líderes das principais empresas operadoras do sector, no nosso país, para passar em revista as grandes questões que percorrem o sector e para anunciar as estratégias para enfrentar as dificuldades actuais deste mercado, bem como o posicionamento estratégico da cada empresa para o futuro.

Assim e perante quase duas mil pessoas, o painel de encerramento com o título de “O Estado da Nação das Comunicações em Portugal”, foi moderado por Nicolau Santos, do Expresso e registou as intervenções de António Carrapatoso, da Vodafone, Carlos Horta e Costa, dos CTT, Miguel Horta e Costa, do Grupo PT, Paulo Azevedo, do Grupo Sonae, Pedro Norton de Matos da ONI e de Álvaro Dâmaso, da Anacom.

Movimento de consolidação das telecomunicações pode ainda não ter terminado

António Carrapatoso começou por apresentar uma avaliação geral do mercado, que considerou ter “evoluído positivamente” nos últimos anos, sustentando essa avaliação no facto de se assistir hoje em Portugal a uma “oferta diversificada e produtos e serviços de telecomunicações, oferecidos a preços razoáveis”.

No entanto, destacou o líder da Vodafone, o mercado atravessa actualmente um momento de consolidação, em termos de empresas, que poderá ainda não ter terminado, dado que este mercado possui hoje, “pelo menos”, duas operadoras sólidas, e condições para a prazo vir a ter “mais uma ou duas empresas que podem vir a ser sólidas”, num mercado que se caracteriza por ter ainda poucos operadores com rede própria.

António Carrapatoso admitiu ser expectável, num futuro mais ou menos imediato, um novo movimento de concentração que permita obter uma rede própria e em que podem concorrer uma ou mais das empresas e grupos presentes no mercado, numa referência em que apenas deixou de fora o grupo PT e a Vodafone.

Segundo as suas estimativas, o mercado nacional deverá valer este ano “certa de 5,5 milhões de euros em receitas de telecomunicações”, o que significa um peso significativo no PIB, dos mais elevados da Europa. Em termos da dinâmica deste mercado, a quele responsável da Vodafone Telecel acredita ser possível, a curto-médio prazo, alterar a posição dominante da PT dos actuais 65% para cerca de 50% a 55% das receitas. Uma repartição que o orador considerou ser “a tendência normal”, num mercado que estima venha a crescer ao ritmo de 5% durante os próximos cinco anos – mais à custa das receitas do sector móvel do que do fixo.

Em termos de redes móveis, aquele orador afirmou que o crescimento do negócio se deverá centrar sobretudo nos serviços de não-voz. No que respeita a consolidações, António Carrapatoso admitiu a possibilidade do mercado vir a ter apenas dois operadores globais com rede própria, possibilidade que para já não está na sua agenda mas à qual irá estar “atento”, e por isso pode vir a ocorrer, “e em primeiro lugar”, de um momento para o outro.

Este orador referiu-se ainda a um conjunto de dúvidas, questões e desafios que o mercado enfrenta hoje e nos próprios tempos, e onde se destacam temas como o de saber o número de operadores que vão ficar, quais serão estes, serão operadores globais ou de “nicho”. As questões da regulação do mercado, bem como a defesa das condições de concorrência, a par das gestão das questões relacionadas com o crescente impacte ambiental desta indústria, são outros conjuntos de temas que deverão estar na agenda das comunicações nos próximos tempos.

Estratégia defensiva de inovação e estratégia ofensiva de acrescentar valor nos CTT

Carlos Horta e Costa, que trouxe uma apresentação subordinada ao tema dos “Correios e TMT”, onde, citando Charles Darwin, partia do pressuposto de que sobrevive quem melhor se adapta às mudanças do ambiente e não necessariamente quem é mais forte ou mais inteligente. E tal, como as telecomunicações nos últimos anos, os correios passam também por um processo de liberalização gradual, que terá o próximo desenvolvimento já em Janeiro de 2003, com a abertura da concorrência a outros operadores para correspondência com faixas de peso e de tarifas menos restritivas do que são ainda hoje.

Com esta pedra de toque, o líder dos CTT procurou demonstrar que apesar dos Correios serem aparentemente um interveniente não tecnológico do mercado das comunicações, e de serem um dos que mais sofre no seu negócio tradicional com a massificação das plataformas electrónicas, acabam por ter uma estratégia de adaptação que lhes permite preparar o futuro, que será seguramente digital.

Segundo Carlos Horta e Costa, o correio tradicional, com as suas plataformas físicas de logística, processamento e distribuição, tem que responder aos desafios das comunicações digitais e no caso dos CTT, isso tem sido conseguido através da incorporação dessas plataformas no seu negócio. Hoje, referiu o orador, cerca de 10% do negócio postal dos CTT é já correio híbrido, processado com ajuda das novas tecnologias da informação e da comunicação.

Mas é sobretudo a nível dos serviços inovadores e da aproximação a áreas como as da certificação digital e dos serviços financeiros que os CTT se preparam para os desafios do presente e do futuro. Carlos Horta e Costa acredita que, reunindo, conjugando e fortalecendo competências nestas áreas, a sua empresa vai aproveitar melhor todas as vantagens prometidas na área do comércio electrónico. No futuro, “a excelência na gestão de redes de distribuição de encomendas será um must”, garante este orador.

Receitas, investimento, tecnologia e inovação, um ciclo vicioso

Para Miguel Horta e Costa o sector das telecomunicações requer alterações de fundo para se poder garantir o seu desenvolvimento sustentado para o futuro. De acordo com a visão deste responsável do Grupo PT, torna-se imperiosa uma “reflexão sobre a consolidação” em curso, a criação de uma “oferta com claros benefícios para o consumidor” e a mudança para uma “postura regulatória exigente mas equilibrada”.

Comentando o passado recente, o líder da PT defendeu que se licenciaram demasiados operadores fixos na Europa Ocidental, lembrando a propósito que estes ascenderam a mais de 1700 nos últimos anos, sem contar com os operadores incumbentes, em 15 países – o que corresponde a mais de 100 novos entrantes em média por país, grande parte destes sem terem planos de negócio credíveis ou sólidos.

Esta situação, que concorreu para a existência de um excesso de capacidade instalada, levou não só ao colapso de algumas das empresas focadas no negócio da fibra óptica, mas também terá estado na origem de muitas das dificuldades sentidas pelos operadores incumbentes nos últimos dois anos e que estarão a justificar cortes drásticos no investimento destas empresas, em termos de novas tecnologias e atrasos no lançamento de novos serviços. Este fenómeno, segundo Miguel Horta e Costa, acaba por ter um efeito de círculo vicioso, na medida em que sem novos serviços não há crescimento das receitas e sem estas, não há reforço do investimento em tecnologia e desenvolvimento de serviços.

Perante todo este cenário, o líder da PT apresentou a estratégia do grupo, que se baseia em dois eixos fundamentais: Contenção de custos, que já permitiu em 2002 um corte nas despesas na ordem dos 5% nominais e dos 8% reais; e Sustentação das receitas, apostando em novos negócios, para combater a quebra das receitas no segmento fixo.

Operadores perdem mais de 100 mil milhões de euros no UMTS

Paulo Azevedo, da Optimus, o terceiro orador desta sessão, “o sector móvel em Portugal continua saudável e na linha da frente do que se passa na Europa”. Isto não significa que não se tenham cometido erros ao longo do percurso, nomeadamente naquilo que chama “o imbróglio da 3ª. Geração”, com a “extracção”, em toda a Europa, de mais de 100 mil milhões da indústria em licenças. A solução para esta situação passa por reduzir o número de operadores, devolver-lhes parte do preço exagerado pago pelas licenças – o que de acordo com este responsável já aconteceu em alguns países da Europa, assumir com realismo a conversão dos compromissos de investimento e autorizar a partilha entre operadores de elementos activos da rede UMTS. Internamente, Paulo Azevedo sublinhou que o único verdadeiro problema está na externalidade de rede para desvirtuar a concorrência.

No mercado dos fixos, este responsável da Optimus, frisou que “não há condições de concorrência”, e para o comprovar falou dos poucos operadores que sobrevivem os quais controlam actualmente apenas 11% do tráfego, e estes são controlados em 90% por apenas 3 operadores. O erro está, em Portugal como na Europa, no modelo de liberalização escolhido, que assenta na continuação do monopólio da rede fixa.

Efectivamente, em Portugal, o operador “incumbente continua a manter uma posição dominante nas duas principais redes de acesso local”; continua por existir um organismo regulador da concorrência no sector, e a ICP, agora Anacom, não “soube ainda transforma-se essencialmente num regulador de concorrência”.

Governo deve forçar a venda da rede de cabo

Daqui para a frente pede-se ao governo e ao regulador, diz Paulo Azevedo, que promovam a concorrência, forcem a venda da rede de cabo, promovam uma rápida actuação da nova Alta Autoridade para a Concorrência, e que criem as condições necessárias para implementar as melhores práticas europeias.

Afirmando que não pretendia pressionar a nova administração da Anacom, que recentemente tomou posse, Paulo Azevedo sublinhou que “os operadores alternativos não têm tempo para dar”. E acrescenta: “não queremos um tabuleiro equilibrado, queremos regras de jogo que nos dêem as oportunidades mínimas”.

Pedro Norton de Matos, presidente da ONI, começou por assinalar o “défice no debate sobre o Estado da Nação das telecomunicações em Portugal”, um factor que o leva a elogiar a iniciativa da APDC. Não deixou, no entanto, de afirmar que a data do Congresso não poderia ser em pior semana para a sua empresa e explicou que não trazia “uma apresentação em power point, porque se a tivesse entregue ontem corria o risco de hoje estar desactualizada”.

Oni impulsiona bolsa portuguesa

Depois de traçar um cenário europeu e referindo-se à situação nacional, Norton de Matos aludiu à “novela que tem ajudado a prestigiar o sector e que começou com o acordo de roaming assinado entre a ONI e a TMN”, e que fez com que a nossa empresa não avançasse para o GPRS conforme planeado”.

Avisando que iria fazer uso da ironia, o responsável pela ONI congratulou-se pela forma como a empresa tem influenciado os mercados de capitais: “A bolsa portuguesa tem tido um impacto impressionante na bolsa internacional e a própria ONI tem tido uma influência muito grande”, afirmou numa clara alusão ao comportamento de alguns títulos que têm sido influenciados pelo possível, mas sempre adiado, anúncio, da venda da OniWay.

À semelhança do que afirmou Paulo Azevedo, o presidente da Oni criticou a actuação do regulador, afirmando que “no desenvolvimento dos nossos planos de negócio nunca sabemos bem qual é o ambiente regulatório em que os iremos implementar”.

Frisando as declarações já proferidas por Paulo Azevedo, Norton de Matos, sallientou que “não há liberalização do fixo quando mais de 98% dos acessos directos continuam na mão de um só operador”.

Coube a Álvaro Damâso, da Anacom, encerrar o último painel do 12.º Congresso das Comunicações da APDC. Começando por afirmar que a “autoridade reguladora está obviamente atenta e muito atenta”, o responsável pela Anacom, criticou a “tendência generalizada de culpar o arbitro”. Defendendo-se das acusações o presidente daquela instituição afirmou que ao regulador cabe “assegurar a concorrência, mas não assegurar o sucesso de todos os operadores”.

Para 2003 fica a promessa de “um novo quadro regulatório”, que será elaborado “depois de um diálogo aprofundado que manterei em Janeiro com todos os operadores”.

O painel dedicado ao “”Estado da Nação das Comunicações em Portugal” terminou, à semelhança dos que o antecederam, com um debate.

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