2577 — “O problema da função pública prende-se com a competição entre os seus organismos”

Nov 12, 2003 | Conteúdos Em Português

A criação de novos postos de atendimento que visem a descentralização do atendimento convencional, proporcionando ao cidadão uma “paragem única” para a resolução de todos os seus problemas com a Administração Pública, a interoperabilidade dos sistemas e o fim da “cultura do papel” foram as principais medidas defendidas pelos oradores da sessão “Sistemas de Informação na Administração Pública” integrada no 1º Congresso do Instituto Nacional de Administração Pública (INA). O projecto do Portal do Cidadão foi defendido, embora não como ponto de partida.

“Só depois de nos consciencializarmos que estamos a prestar um bom serviço localmente, devemos partir para partilhas com outros organismos e após um bom relacionamento e entendimento pode-se avançar para um portal colaborativo. Finalmente podemos chegar a um “Portal do Cidadão” no qual se possa praticar o “one-stop government”. Pessoalmente não confio em processos que começam pelo fim,” referiu Francisco Pereira, chefe da divisão de informática da Câmara Municipal de Portimão.

Para este responsável da administração pública local, a criação de portais colaborativos deve assentar em dez pilares fundamentais: criação de uma estrutura de gestão adequada, comprometimento dos diferentes sectores no projecto, estudar com exactidão as necessidades e requisitos do projecto, analisar o público alvo, criação de uma estrutura lógica de trabalho (workflow), analisar a infra-estrutura tecnológica, garantir uma difusão multi-canal, garantir a segurança e privacidade, garantir a continuidade do projecto e fazer auditorias permanentes.

“A parte mais importante de todo este processo de viragem ao exterior é a análise das necessidades reais do público-alvo. Não é por acaso que numa população de cidadãos que vivem em condições precárias, o telefone e a internet não sejam os canais indicados de comunicação. A opção correcta num caso de se possuir uma população-alvo deste cariz é uma maior descentralização do atendimento personalizado,” adiantou este responsável.

Para Francisco Pereira, a disponibilização do máximo de canais possível na comunicação com o cidadão deve ter em conta a precaução de utilizar a mesma estrutura lógica de respostas de modo a não se fornecerem informações erróneas, inconsistentes ou desconexas.

O chefe da divisão de informática da Câmara Municipal de Portimão defende a criação de um atendimento personalizado multi-canal baseado numa filosofia CRM (Customer Relationship Management), tendo como base o mesmo portal e a mesma BD do atendimento proposto para as juntas de freguesia, podendo tomar a forma de atendimento global personalizado nos próprios organismos, portal acedido através de casa, call centers proprietários o partilhados 24 horas por dia, mail, fax, sms e atendimento tradicional.

Francisco Pereira alerta, contudo, para alguns perigos na implementação deste tipo de projectos: a falta de um back-office organizado, o portal e a respectiva BD operacional estarem mal projectados ou implementados, má selecção e deficiente formação dos funcionários públicos, e a escolha de canais desapropriados conducente a info-exclusão

“O problema, impensável numa função pública, prende-se tão somente ao facto de que não deveria haver competitividade entre organismos mas antes, pelo contrário, colaboração. Tem de se começar a pensar urgentemente em processos horizontais, intra ou inter-organizações, que abranjam largas franjas da administração e não em ‘capelinhas’ formadas por processos verticais que só denotam, muitas vezes, um medo perda de poder por parte do respectivo sector detentor,” acrescentou.

De acordo com José Maria Pedro, da Inspecção-Geral de Finanças, esta filosofia de automatização de tarefas e processos deve também ser aplicada à gestão intra e inter-ministerial.

Para José Maria Pedro , é possível conseguir economias de escala com a possibilidade de integração de organismos e partilha de recursos, pela criação de diferentes linhas de serviço a partir da conjugação de componentes idênticas, pela eliminação de custos redundantes com processamento da mesma informação em vários ministérios ou pela possibilidade de recurso inter-regional e internacional para o fornecimento de bens necessários ao funcionamento dos serviços públicos.

Este responsável da Inspecção-Geral de Finanças relembrou os resultados de um estudo efectuado pelo Conselho Coordenador do Sistema de Controlo Interno que da observação de 400 entidades públicas concluiu que de 3914 fluxos de informação entre sistemas, 61 por cento estão a funcionar sobre papel, e que 48 por cento de 3076 fluxos de informação entre entidades circulam no mesmo formato.

“Tendo em conta que se têm gasto somas consideráveis com TIC, esta situação pode levar à ideia de que os investimentos foram insuficientes, os serviços não estão a aproveitar convenientemente os investimentos em TIC, ou os dirigentes da AP são frequentemente empurrados para soluções tecnológicas que não desejam nem conhecem, mantendo os circuitos de papel em simultâneo.”

De acordo com um estudo da DGO, as depesas com pessoal, nas administrações públicas representam cerca de 36,4 por cento da despesa corrente e mais de 40 por cento da despesa corrente primária.

Filipe Samora
2003-11-12

Centro de Informação-ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
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