2592 — Informação para todos?

Nov 21, 2003 | Conteúdos Em Português

Maria José Nogueira Pinto, deputada na ARTal como o presidente do 13.º Congresso das Comunicações havia augurado na sessão de abertura do evento, o debate tornou-se aceso e crítico logo no primeiro painel de discussão, dedicado à “Sociedade de Informação, Democracia e Cidadania”. Para lá da evolução tecnológica da nova Aldeia Global e da perspectiva economicista do mundo actual, impõem-se as questões da ética e da cidadania, numa sociedade desejavelmente construída por “informação para todos”.

António Pinto Leite, vice presidente do Banco Santader, José Mariano Gago, ex- ministro da Ciência e Tecnologia e ex-presidente da Junta Nacional de Investigação Científica e Maria José Nogueira Pinto, deputada da Assembleia da República, abordaram as questões ético-políticas inerentes à implicação da Sociedade de Informação (SI) no conceito de cidadania.

Numa metáfora à monitorização da cidade de Bagdade pelos Estados Unidos aquando da recente Guerra do Iraque, Pinto Leite alertou para o perigo que o fascínio pelas construção de sociedades “securitárias” pode causar no actual mundo “pós-11 de Setembro”, acrescentaríamos. É que dois dos direitos fundamentais dos cidadãos – Liberdade e Segurança – são, necessariamente, «conflituais», rematou.

«Não se deve atribuir às tecnologias aquilo que é responsabilidade das sociedades». Este «entusiasta da SI » sublinhou a importância do espaço de decisão política, como única via para que a informação global chegue, de facto, a todos – por exemplo, com a entrada da Internet nas escolas, a nível mundial, reduzindo o fosso entre os países desenvolvidos e os países pobres.

E para que Portugal «não se contente em ser uma espécie de Marrocos melhorada», há que entender a SI como «um instrumento decisivo de competitividade», tendo presente que continua a haver uma má relação entre o Estado e os portugueses, concluiu.

Para Pinto Leite, impõem-se duas alterações profundas ao nível da cidadania: a construção do conceito de cidadão-cliente, centrado nas necessidades dos indivíduos; e a adopção, já em curso, do plano para a SI como «instrumento base para o combate aos maus cidadãos» (aqueles que alinham na evasão fiscal, por exemplo).

Na opinião de Mariano Gago , a Internet veio, nos últimos anos, reequilibrar a relação dos cidadãos com a comunicação social, reapropriando as organizações, empresas, Estado e particulares de um papel emissor, ao invés de meramente receptor. Perigosa pode ser, para o ex-ministro, a “cidadania virtual”, perante a qual os domínios da política e investigação assumem responsabilidades determinantes, ao nível de questões como a expansão dos mercados, a liberalização das telecomunicações ou o combate à info-exclusão.

O consenso nos dois grandes espaços geo-estratégicos – EUA e Europa – contra a info-exclusão é, de resto, um dos aspectos mais positivos no desenvolvimento da SI ao longo dos últimos dez anos, nota Mariano Gago. Mas «é preciso agir de forma concreta», apressa-se a acrescentar, contando com uma intervenção massiva do Estado em áreas como o desenvolvimento da Internet, garantindo o seu acesso generalizado. Uma realidade que Gago ilustra facilmente com a seguinte afirmação: «ainda continuamos a ter (em Portugal) o mega byte por quilómetro mais caro do mercado europeu, o que demonstra bem a nossa dificuldade em resolver os problemas sem recorrer à política».

Instalando a polémica, Maria José Nogueira Pinto declarou ter «muitas dúvidas e nenhumas respostas» e, recorrendo a um velho ditado chinês (“Quando se acende uma vela lança-se uma sombra”) comparou a SI a «um conjunto de grandes holofotes que vêm lançar algumas sombras».

Para que se perceba, a deputada recordou à plateia constituída por várias centenas de participantes que 2/3 da população mundial detém um passivo «que as intenções das Nações Unidas podem não conseguir recuperar». Afinal, em pleno século XXI , continuamos a combater as mais básicas manifestações de pobreza, como dar alimento a quem tem fome.

«Todos temos direitos consagrados, mas nem todos chegamos ao seu efectivo exercício. A ideia de acesso é fundamental para a igualdade de oportunidades, na nova cartografia da Aldeia Global». Numa visão que considera «realista e não pessimista», Nogueira Pinto acredita que as redes – de pessoas, cidades, países ou regiões – podem aumentar o fosso Norte/Sul, à escala mundial, numa sociedade em que o poder «já só depende de gerar conhecimento e processar informação» e onde a economia se tornou mais excludente do que a política.

O resultado são três categorias de cidadãos: os desinformados (que só assimilam imagens); os sobreinformados (que não seleccionam o conhecimento adquirido) e os informados (em franca minoria).

Só um poder democratizado pode gerar o «curto-circuito no monopólio das comunicações» e, neste quadro, as redes da SI podem quebrar o monopólio, acabando com os centros de decisão. Nogueira Pinto avisa, no entanto, que «os efeitos perversos (desta democratização) podem não ser evitados». É que a actual opinião pública é uma «encenação mediática», numa nova ordem urbana constituída por sobreviventes do homem desinformado e do homem sobreinformado, isto é «meros receptáculos da informação».

Gabriela Costa

2003-11-18

Centro de Informação-ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA