Decreto-Lei n.º 67/2003 – Aspectos da Venda de Bens de Consumo e das Garantias
Transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, sobre certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, e altera a Lei n.º 24/96, de 31 de Julho
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Decreto-Lei n.º 67/2003
de 8 de Abril
Importa proceder à transposição para o ordenamento jurídico português da Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, que tem por objectivo a aproximação das disposições dos Estados membros da União Europeia sobre certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas.
O presente diploma procede a tal transposição através da aprovação de um novo regime jurídico para a conformidade dos bens móveis com o respectivo contrato de compra e venda, celebrado entre profissional e vendedor.
O regime jurídico aprovado respeita as exigências da referida Directiva n.º 1999/44/CE. Entre as principais inovações, há que referir a adopção expressa da noção de conformidade com o contrato, que se presume não verificada sempre que ocorrer algum dos factos descritos no regime agora aprovado.
É equiparada à falta de conformidade a má instalação da coisa realizada pelo vendedor ou sob sua responsabilidade, ou resultante de incorrecção das respectivas instruções.
Para a determinação da falta de conformidade com o contrato releva o momento da entrega da coisa ao consumidor, prevendo-se, porém, que as faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois ou cinco anos a contar da data de entrega de coisa móvel ou de coisa imóvel, respectivamente, se consideram já existentes nessa data.
Preocupação central que se procurou ter sempre em vista foi a de evitar que a transposição da directiva pudesse ter como consequência a diminuição do nível de protecção já hoje reconhecido entre nós ao consumidor. Assim, as soluções actualmente previstas na Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, mantêm-se, designadamente o conjunto de direitos reconhecidos ao comprador em caso de existência de defeitos na coisa.
No que diz respeito aos prazos, prevê-se um prazo de garantia, que é o lapso de tempo durante o qual, manifestando-se alguma falta de conformidade, poderá o consumidor exercer os direitos que lhe são reconhecidos. Tal prazo é fixado em dois e cinco anos a contar da recepção da coisa pelo consumidor, consoante a coisa vendida seja móvel ou imóvel.
Mantém-se a obrigação do consumidor de denunciar o defeito ao vendedor, alterando-se o prazo de denúncia para dois meses a contar do conhecimento, no caso de venda de coisa móvel.
Este regime de protecção do consumidor mantém-se imperativo, permitindo-se, porém, que, em caso de venda de coisa móvel usada ao consumidor, o prazo de dois anos seja reduzido a um ano por acordo das partes.
Adoptam-se, ainda, pela primeira vez, medidas jurídicas relativas às «garantias» voluntariamente oferecidas pelo vendedor, pelo fabricante ou por qualquer intermediário, no sentido de reembolsar o preço pago, substituir, reparar ou ocupar-se de qualquer modo da coisa defeituosa, estabelecendo-se o efeito vinculativo de tais declarações.
Inovação bastante significativa consiste na consagração da responsabilidade directa do produtor perante o consumidor, pela reparação ou substituição de coisa defeituosa. Trata-se, nesta solução, tão-só de estender ao domínio da qualidade a responsabilidade do produtor pelos defeitos de segurança, já hoje prevista no Decreto-Lei n.º 383/89, de 6 de Novembro, com um regime de protecção do comprador que já existe em vários países europeus e para que a directiva que ora se transpõe também já aponta.
Por último, atribui-se ao profissional que tenha satisfeito ao consumidor um dos direitos previstos em caso de falta de conformidade da coisa com o contrato (bem como à pessoa contra quem foi exercido o direito de regresso) o direito de regresso contra o profissional que lhe vendeu a coisa, por todos os prejuízos causados pelo exercício daqueles direitos. Tal direito de regresso só poderá ser excluído ou limitado antecipadamente desde que seja atribuída ao seu titular compensação adequada.
Foi ouvido o Conselho Nacional do Consumo.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta, para valer como lei geral da República, o seguinte:
Artigo 1.º
Objectivo e âmbito de aplicação
1 – O presente diploma procede à transposição para o direito interno da Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com vista a assegurar a protecção dos interesses dos consumidores, tal como definidos no n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho.
2 – O presente diploma é aplicável, com as necessárias adaptações, aos contratos de fornecimento de bens de consumo a fabricar ou a produzir e de locação de bens de consumo.
Artigo 2.º
Conformidade com o contrato
1 – O vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda.
2 – Presume-se que os bens de consumo não são conformes com o contrato se se verificar algum dos seguintes factos:
a) Não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor ou não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo;
b) Não serem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado;
c) Não serem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo;
d) Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem.
3 – Não se considera existir falta de conformidade, na acepção do presente artigo, se, no momento em que for celebrado o contrato, o consumidor tiver conhecimento dessa falta de conformidade ou não puder razoavelmente ignorá-la ou se esta decorrer dos materiais fornecidos pelo consumidor.
4 – A falta de conformidade resultante de má instalação do bem de consumo é equiparada a uma falta de conformidade do bem, quando a instalação fizer parte do contrato de compra e venda e tiver sido efectuada pelo vendedor, ou sob sua responsabilidade, ou quando o produto, que se prevê que seja instalado pelo consumidor, for instalado pelo consumidor e a má instalação se dever a incorrecções existentes nas instruções de montagem.
Artigo 3.º
Entrega do bem
1 – O vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue.
2 – As faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois ou de cinco anos a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, respectivamente, presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade.
Artigo 4.º
Direitos do consumidor
1 – Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato.
2 – A reparação ou substituição devem ser realizadas dentro de um prazo razoável, e sem grave inconveniente para o consumidor, tendo em conta a natureza do bem e o fim a que o consumidor o destina.
3 – A expressão «sem encargos», utilizada no n.º 1, reporta-se às despesas necessárias para repor o bem em conformidade com o contrato, incluindo, designadamente, as despesas de transporte, de mão-de-obra e material.
4 – Os direitos de resolução do contrato e de redução do preço podem ser exercidos mesmo que a coisa tenha perecido ou se tenha deteriorado por motivo não imputável ao comprador.
5 – O consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais.
Artigo 5.º
Prazos
1 – O comprador pode exercer os direitos previstos no artigo anterior quando a falta de conformidade se manifestar dentro de um prazo de dois ou cinco anos a contar da entrega do bem, consoante se trate, respectivamente, de coisa móvel ou imóvel.
2 – Tratando-se de coisa móvel usada, o prazo previsto no número anterior pode ser reduzido a um ano, por acordo das partes.
3 – Para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses, caso se trate de bem móvel, ou de um ano, se se tratar de bem imóvel, a contar da data em que a tenha detectado.
4 – Os direitos conferidos ao consumidor nos termos do n.º 1 do artigo 4.º caducam findo qualquer dos prazos referidos nos números anteriores sem que o consumidor tenha feito a denúncia, ou decorridos sobre esta seis meses.
5 – O decurso dos prazos suspende-se durante o período de tempo em que o consumidor se achar privado do uso dos bens em virtude das operações de reparação da coisa.
Artigo 6.º
Responsabilidade directa do produtor
1 – Sem prejuízo dos direitos que lhe assistem perante o vendedor, pode o consumidor que tenha adquirido coisa defeituosa optar por exigir do produtor, à escolha deste, a sua reparação ou substituição.
2 – O produtor pode opor-se ao exercício dos direitos pelo consumidor verificando-se qualquer dos seguintes factos:
a) Resultar o defeito exclusivamente de declarações do vendedor sobre a coisa e sua utilização, ou de má utilização;
b) Não ter colocado a coisa em circulação;
c) Poder considerar-se, tendo em conta as circunstâncias, que o defeito não existia no momento em que colocou a coisa em circulação;
d) Não ter fabricado a coisa nem para venda nem para qualquer outra forma de distribuição com fins lucrativos, ou não a ter fabricado ou distribuído no quadro da sua actividade profissional;
e) Terem decorrido mais de dez anos sobre a colocação da coisa em circulação.
3 – O representante do produtor na zona de domicílio do consumidor é solidariamente responsável com o produtor perante o consumidor, sendo-lhe igualmente aplicável o n.º 2 do presente artigo.
4 – Considera-se produtor, para efeitos do presente diploma, o fabricante de um bem de consumo, o importador do bem de consumo no território da Comunidade ou qualquer outra pessoa que se apresente como produtor através da indicação do seu nome, marca ou outro sinal identificador no produto.
5 – Considera-se representante do produtor, para o efeito do n.º 3, qualquer pessoa singular ou colectiva que actue na qualidade de distribuidor comercial do produtor e ou centro autorizado de serviço pós-venda, à excepção dos vendedores independentes que actuem apenas na qualidade de retalhistas.
Artigo 7.º
Direito de regresso
1 – O vendedor que tenha satisfeito ao consumidor um dos direitos previsto no artigo 4.º bem como a pessoa contra quem foi exercido o direito de regresso gozam de direito de regresso contra o profissional a quem adquiriram a coisa, por todos os prejuízos causados pelo exercício daqueles direitos.
2 – O disposto no n.º 2 do artigo 3.º aproveita também ao titular do direito de regresso, contando-se o respectivo prazo a partir da entrega ao consumidor.
3 – O demandado pode afastar o direito de regresso provando que o defeito não existia quando entregou a coisa ou, se o defeito for posterior à entrega, que não foi causado por si.
4 – Sem prejuízo do regime das cláusulas contratuais gerais, o acordo pelo qual se exclua ou limite antecipadamente o exercício do direito de regresso só produz efeitos se for atribuída ao seu titular uma compensação adequada.
Artigo 8.º
Exercício do direito de regresso
1 – O profissional pode exercer o direito de regresso na própria acção interposta pelo consumidor, aplicando-se com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 2 do artigo 329.º do Código de Processo Civil.
2 – O profissional goza do direito previsto no artigo anterior durante cinco anos a contar da entrega da coisa pelo profissional demandado.
3 – O profissional deve exercer o seu direito no prazo de dois meses a contar da data da satisfação do direito ao consumidor.
4 – O prazo previsto no n.º 2 suspende-se durante o processo em que o vendedor final seja parte.
Artigo 9.º
Garantias voluntárias
1 – A declaração pela qual o vendedor, o fabricante ou qualquer intermediário promete reembolsar o preço pago, substituir, reparar ou ocupar-se de qualquer modo da coisa defeituosa vincula o seu autor nas condições constantes dela e da correspondente publicidade.
2 – A declaração de garantia deve ser entregue ao consumidor por escrito ou em qualquer outro suporte duradouro a que aquele tenha acesso.
3 – A garantia, que deve ser redigida de forma clara e concisa na língua portuguesa, conterá as seguintes menções:
a) Declaração de que o consumidor goza dos direitos previstos no presente diploma e de que tais direitos não são afectados pela garantia;
b) Condições para atribuição dos benefícios previstos;
c) Benefícios que a garantia atribui ao consumidor;
d) Duração e âmbito espacial da garantia;
e) Firma ou nome e endereço postal, ou, se for o caso, electrónico, do autor da garantia que pode ser utilizado para o exercício desta.
4 – Salvo declaração em contrário, os direitos resultantes da garantia transmitem-se para o adquirente da coisa.
5 – A violação do disposto nos n.os 2 e 3 do presente artigo não afecta a validade da garantia, podendo o consumidor continuar a invocá-la e a exigir a sua aplicação.
Artigo 10.º
Imperatividade
1 – Sem prejuízo do regime das cláusulas contratuais gerais, é nulo o acordo ou cláusula contratual pelo qual antes da denúncia da falta de conformidade ao vendedor se excluam ou limitem os direitos do consumidor previstos no presente diploma.
2 – É aplicável à nulidade prevista no número anterior o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 16.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho.
Artigo 11.º
Limitação da escolha de lei
Se o contrato de compra e venda celebrado entre profissional e consumidor apresentar ligação estreita ao território dos Estados membros da União Europeia, a escolha, para reger o contrato, de uma lei de um Estado não membro que se revele menos favorável ao consumidor não lhe retira os direitos atribuídos pelo presente decreto-lei.
Artigo 12.º
Acções de informação
O Instituto do Consumidor promoverá acções destinadas a informar, e incentivará as organizações profissionais a informarem, os consumidores dos direitos que para eles resultam do presente diploma.
Artigo 13.º
Alterações à Lei de Defesa dos Consumidores
Os artigos 4.º e 12.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, passam a ter a seguinte redacção:
«Artigo 4.º
Direito à qualidade dos bens e serviços
Os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor.
Artigo 12.º
Direito à reparação de danos
1 – O consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos.
2 – O produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos de produtos que coloque no mercado, nos termos da lei.»
Artigo 14.º
Entrada em vigor
1 – O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, sem prejuízo do disposto no n.º 2.
2 – As normas previstas no artigo 9.º entram em vigor 90 dias após a publicação deste diploma.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 20 de Fevereiro de 2003. – José Manuel Durão Barroso – António Manuel de Mendonça Martins da Cruz – Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona – José Luís Fazenda Arnaut Duarte – Carlos Manuel Tavares da Silva.
Promulgado em 20 de Março de 2003.
Publique-se.
O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.
Referendado em 25 de Março de 2003.
O Primeiro-Ministro, José Manuel Durão Barroso.