(XVI) Contratação telefónica e regras da contratação à distância

Apr 13, 2021 | Uncategorized

É possível afirmar que toda a contratação telefónica realizada pelos CTR é contratação à distância[efn_note]Cfr., sobre a problemática da contratação à distância, entre outros, por ordem cronológica, (Silva, 1996), (Oliveira, 1996a), (Correia, 2002), (Almeida, 2005), (Herculano, 2009), (Carvalho & Pinto-Ferreira, 2014) e (Carvalho, 2014), p. 129 e ss..[/efn_note], apesar de nem toda a contratação telefónica à distância ser realizada através de CTR. Neste sentido, o regime jurídico dos contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial, definido pelo DL 24/2014, aplica-se directamente à actividade dos CTR, sendo importante conhecer as regras especialmente definidas para o relacionamento e contratos telefónicos em particular.

 

Enquadramento da actividade dos CTR no âmbito da contratação à distância

 

Comunicação telefónica e técnica de comunicação à distância

Apesar do escasso tratamento autónomo da problemática da contratação telefónica, a doutrina é unânime[efn_note]Cfr., entre outros, (Carvalho & Pinto-Ferreira, 2014), p. 39.[/efn_note] em considerar os meios de comunicação telefónica uma “técnica de comunicação à distância”, nos termos gerais definidos pela lei no art. 3.º-m) do DL 24/2014[efn_note]De acordo com este art., é uma “«técnica de comunicação à distância», qualquer meio que, sem a presença física e simultânea do fornecedor de bens ou prestador do serviço e do consumidor, possa ser utilizado tendo em vista a celebração do contrato entre as referidas partes”.[/efn_note].

A definição legal de “técnica de comunicação à distância” é suficientemente ampla e elástica[efn_note]Cfr., no quadro do regime jurídico anterior, (Allix, 1998; Navarrete, 1999; Silva, 2007).[/efn_note], quer, especificamente, para enquadrar dentro deste regime todo e qualquer meio de comunicação telefónica actualmente existente[efn_note]Sendo os mais comuns os meios de telefonia fixa, telefonia móvel, telefonia por protocolos de internet, vídeo-telefonia e os sistemas de mensagens de voz.[/efn_note], quer para permitir a aplicação do regime da contratação à distância à evolução tecnológica e ao desenvolvimento de novos meios de comunicação telefónica[efn_note]Cfr. (Carvalho & Pinto-Ferreira, 2014), p. 38.[/efn_note].

 

Contratação telefónica e contratação à distância

Apesar de a contratação telefónica ser realizada através de meios de comunicação telefónica e apesar de estes meios serem “técnicas de comunicação à distância”, há sempre necessidade de averiguar, no caso concreto, se um determinado contrato telefónico é um contrato à distância, não havendo correspondência necessária legal entre os dois conceitos ou realidades.

Nos termos do art. 3.º-f) do DL 24/2014, o “contrato celebrado à distância” é “um contrato celebrado entre o consumidor e o fornecedor de bens ou o prestador de serviços sem presença física simultânea de ambos, e integrado num sistema de venda ou prestação de serviços organizado para o comércio à distância mediante a utilização exclusiva de uma ou mais técnicas de comunicação à distância até à celebração do contrato, incluindo a própria celebração”. Assim, a lei exige dois elementos cumulativos[efn_note]Além de dois elementos de caracterização geral: por um lado, o elemento relacional, referente à relação contratual entre um profissional e um consumidor e, por outro lado, o elemento objectivo, referente ao contrato relativo a bens ou serviços. Para mais desenvolvimentos sobre os elementos caracterizadores dos contratos à distância, cfr. (Carvalho & Pinto-Ferreira, 2014), p. 36-39.[/efn_note] para a configuração de um contrato à distância: por um lado, o elemento técnico, referente à utilização de técnicas de comunicação à distância e, por outro lado, o elemento sistémico, referente à integração do contrato num sistema organizado de comércio à distância.

Desta forma, a contratação telefónica, sendo certo que incorpora já o elemento técnico, necessita sempre de estar integrada num sistema organizado de comércio à distância para efeitos de aplicação do regime jurídico dos contratos à distância.

 

Contratação telefónica e sistema organizado de comércio à distância

A lei não define o conceito de “sistema organizado de comércio à distância”[efn_note]O considerando (20) da Directiva 2011/83/EU fala em “sistema de vendas ou prestação de serviços vocacionado para o comércio à distância”, sem apresentar também uma definição e limitando-se a uma enumeração casuística de situações.[/efn_note]. No âmbito específico da contratação telefónica, a ponderação sobre a existência de um verdadeiro sistema telefónico organizado de comércio à distância será concretizada através das seguintes considerações:

(i) o profissional está obrigado[efn_note]Cfr. art. 8.º-1-c) da LDC e art. 4.º-1-a) do DL 24/2014.[/efn_note] a fornecer o contacto telefónico ao consumidor;

(ii) o mero fornecimento de um contacto telefónico pelo profissional não permite concluir por si só que existe um sistema organizado de comércio à distância, sendo necessário conhecer a prática comercial concretamente realizada pelo profissional[efn_note]Um universo particular, historicamente recente mas com um crescimento progressivo, é o universo de profissionais que utilizam práticas exclusivamente telefónicas para efeitos de comercialização de bens ou serviços – veja-se, por ex., o caso dos produtos e serviços financeiros associados à banca telefónica, o caso dos seguros associados às seguradoras telefónicas, o caso da venda directa de produtos e utensílios domésticos associados às empresas de televendas e, em geral, o caso das vendas directas de todo o tipo de produtos e serviços através de meios telefónicos exclusivos.[/efn_note];

(iii) a prática comercial exclusivamente realizada pelo profissional através de meios telefónicos, ainda que evidenciada meramente pelo fornecimento singelo de um número de telefone, indicia só por si a existência de um sistema organizado de comércio à distância[efn_note]Não se pode concordar com a afirmação abstracta de que não está integrada num sistema organizado “a situação em que o consumidor, ao ver um número de telefone de um profissional na lista telefónica, entra em contacto com este encomendando um bem ou um serviço por esse meio” (Carvalho & Pinto-Ferreira, 2014), p. 37. No caso das práticas comerciais realizadas exclusivamente por meios telefónicos, a comunicação do número de telefone comprova autonomamente a existência de um sistema organizado – aliás, pode mesmo afirmar-se que, nestas situações, o número de telefone é o próprio sistema.[/efn_note];

(iv) o fornecimento de um contacto telefónico pelo profissional quando complementado pela declaração pública da sua disponibilidade para a prestação de informações de carácter contratual ou para a celebração de contratos através desse telefone indicia suficientemente a existência de um sistema próprio de comércio à distância[efn_note]Esta situação deve ser considerada extensível aos restantes meios de comunicação à distância, designadamente às práticas comerciais realizadas exclusivamente através de meios electrónicos. Pelo menos em relação a este universo dos profissionais, não é possível concordar com a afirmação do considerando (20) da Directiva 2011/83/EU ao excluir a existência de um sistema organizado nos “casos em que os sítios Internet só disponibilizam informações sobre o profissional, os seus bens e/ou serviços e os seus contactos”. Ao contrário do afirmado no considerando citado, pelo menos no âmbito das práticas comerciais realizadas exclusivamente por meios electrónicos ou telefónicos, a mera disponibilização de “informações sobre o profissional, os seus bens e/ou serviços e os seus contactos” comprovará a existência de um sistema organizado.[/efn_note];

(v) a declaração pública da disponibilidade do profissional para a prestação de informações de carácter contratual ou para a celebração de contratos através do telefone tanto pode ser feita de modo expresso[efn_note]Por ex., através de mensagens publicitárias a solicitar o contacto do consumidor para efeitos de encomenda de bens ou serviços.[/efn_note] como ser feita de modo tácito[efn_note]Por ex., um profissional cuja actividade comercial seja realizada exclusivamente por telefone não precisa de emitir declarações expressas, sendo suficiente a mera indicação do telefone de contacto, uma vez que a disponibilidade para a contratação à distância é ínsita à própria natureza da actividade.[/efn_note];

(vi) a proposta contratual tanto pode ser emitida pelo profissional como ser emitida pelo consumidor, desde que, neste último caso, seja realizada através do contacto telefónico fornecido pelo profissional e na sequência da sua disponibilidade para a prestação de informações de carácter contratual ou para a celebração de contratos através desse contacto[efn_note]Deve discordar-se do considerando (20) da Directiva 2011/83/EU, ao excluir do âmbito de aplicação dos contratos à distância a “reserva efectuada por um consumidor, através de um meio de comunicação à distância, para solicitar a prestação de um serviço a um profissional, como, por ex., no caso em que um consumidor telefona para solicitar uma marcação num cabeleireiro”. Na verdade, a disponibilização de um serviço de reservas telefónicas pelo profissional indicia, bem pelo contrário, a existência de um sistema organizado, sendo cada vez mais frequente a implementação destes modos de contratação telefónica. Além disso, há que reconhecer que os serviços de reservas telefónicas são um dos serviços típicos dos CTR.[/efn_note];

(vii) o sistema telefónico de comércio à distância pode estar integrado[efn_note]Por ex., as duas modalidades operacionais de integração de meios de comunicação à distância para efeitos de contratação mais utilizadas são ilustradas pela integração do contacto por correspondência postal com o contacto telefónico e, recentemente, com o crescimento do comércio electrónico, pela integração do contacto por correio electrónico com o contacto telefónico.[/efn_note] num sistema mais amplo de comércio à distância que utilize vários meios de comunicação à distância[efn_note]Cfr., infra, as considerações a propósito da utilização exclusiva de técnicas de comunicação à distância.[/efn_note], sendo contudo relevante apurar a técnica de comunicação à distância efectivamente utilizada no momento da celebração do contrato[efn_note]Em caso de integração de várias técnicas de comunicação à distância, é relevante determinar qual a técnica utilizada efectivamente no momento da celebração do contrato, para aplicação do regime jurídico específico. Por ex., em caso de integração do contacto por correio electrónico com o contacto telefónico, será relevante a determinação da técnica concretamente utilizada para a celebração do contrato, face aos distintos requisitos de forma exigidos para os contratos electrónicos e para os contratos telefónicos, nos termos do art. 5.º-7 do DL 24/2014.[/efn_note].

 

CTR, contratação telefónica e contratos à distância

A contratação telefónica realizada através de CTR é sempre uma contratação à distância porque incorpora quer o elemento técnico, quer o elemento sistémico[efn_note]Cfr. a noção de CTR do art. 3.º-a) do DL 134/2009: subjacente à existência de um CTR está a ideia de “estrutura organizada”.[/efn_note]. Toda a contratação celebrada pelos CTR está sujeita ao regime dos contratos à distância, uma vez que a contratação é realizada através de técnicas de comunicação à distância, configurando a contratação como contratação telefónica[efn_note]Atenção contudo ao facto de, se é verdade que toda a contratação celebrada nos CTR é contratação telefónica, o inverso já não é verdadeiro, pois existe contratação telefónica que não é celebrada por CTR, ficando este último universo fora do âmbito de aplicação, (i) quer do regime dos contratos à distância, nos termos do art. 2.º do DL 24/2014, (ii) quer do regime específico dos CTR, nos termos do art. 2.º do DL 134/2009.[/efn_note] e sendo os CTR verdadeiros sistemas telefónicos organizados de comércio à distância, nos termos da definição do art. 3.º-a) do DL 134/2009[efn_note]Nos termos do qual, CTR é a “estrutura organizada e dotada de tecnologia que permite a gestão de elevado tráfego telefónico, para contacto com consumidores ou utentes, no âmbito de uma actividade económica (…)”. Sobre a noção de CTR, cfr., supra, Cap.7.1.1.[/efn_note].

A utilização um CTR, quer no âmbito da relação pré-contratual, quer no âmbito da relação contratual, quer no âmbito da relação pós-contratual, será fundamental para a qualificação de um determinado contrato como contrato celebrado à distância, estando desde logo comprovada a existência de um sistema organizado de comércio à distância.

 

Ónus da Prova

O ónus da prova[efn_note] Sobre a importância da problemática do ónus da prova no âmbito específico dos CTR, cfr. (Melo, 2016f).[/efn_note] da inexistência de um sistema organizado de contratação à distância cabe ao profissional[efn_note]Cfr., neste sentido, (Carvalho & Pinto-Ferreira, 2014), p. 37 e (Pinto, 2003a), p. 183. Sobre a problemática do ónus da prova no Direito do Consumo, cfr. (Teixeira, 2015).[/efn_note].

 

Utilização exclusiva de técnicas de comunicação à distância

A lei, nos termos do art. 3.º-f), in fine, do DL 24/2014, exige a “utilização exclusiva de uma ou mais técnicas de comunicação à distância até à celebração do contrato, incluindo a própria celebração”. Nestes termos, o sistema organizado para o comércio à distância deve estar configurado operacionalmente de forma a utilizar apenas técnicas de comunicação à distância, podendo o profissional utilizar diferentes integrações de técnicas de comunicação à distância, sem afectar a qualificação do contrato como contrato celebrado à distância, não estando, contudo, a exclusividade relacionada com o sistema organizado pelo profissional e não sendo relevantes para a respectiva qualificação como contrato celebrado à distância[efn_note]Sendo relevante, contudo, a determinação da técnica de comunicação à distância concretamente utilizada no âmbito da contratação para efeitos de apuramento do respectivo regime.[/efn_note] os tipos e a quantidade de contactos que tenham existido entre as partes antes das declarações contratuais[efn_note]Neste sentido, cfr. (Carvalho & Pinto-Ferreira, 2014), p. 38 e (Dickie, 1999), p. 93.[/efn_note].

O profissional é livre de articular ou integrar livremente as técnicas de comunicação à distância com técnicas de comunicação presencial, sendo necessária, para a qualificação da contratação como contratação à distância, uma análise casuística[efn_note]Alguns exemplos casuísticos são apresentados no considerando (20) da Directiva 2011/83/EU.[/efn_note] da contribuição da técnica de comunicação para o processo de contratação, começando por identificar as diferentes técnicas de comunicação concretamente utilizadas ao longo do relacionamento contratual (técnicas à distância e técnicas presenciais) e, de seguida, identificando a respectiva função (recolha de informações, negociação ou celebração do contrato).

 

Regras especiais da comunicação e contratação telefónica

Realizado o enquadramento geral da actividade dos CTR no âmbito da contratação à distância, é necessário compreender as três regras do DL 24/2014 aplicáveis especificamente à comunicação e contratação telefónica, começando pela análise da regra de informação do custo de utilização, identificando, de seguida, a forma dos contratos telefónicos e concluindo com a regra do consentimento prévio expresso para a emissão de chamadas.

 

Informação do custo de utilização da comunicação telefónica

Nos termos do art. 4.º-1-o) do DL 24/2014, o fornecedor de bens ou prestador de serviços deve facultar ao consumidor as informações sobre o “custo de utilização da técnica de comunicação à distância, quando calculado em referência a uma tarifa que não seja a tarifa base”.

Sendo a comunicação telefónica uma técnica de comunicação à distância, o profissional está obrigado a incluir na informação pré-contratual o custo da sua utilização no âmbito do relacionamento com o consumidor[efn_note]Cfr. (Carvalho & Pinto-Ferreira, 2014), p. 59.[/efn_note], quando este custo seja diferente da tarifa base. O custo deve ser obrigatoriamente facultado de acordo com o critério da tarifa base, limitando o legislador a obrigatoriedade às situações em que o custo de utilização seja “calculado em referência a uma tarifa que não seja a tarifa base”.

Carvalho & Pinto-Ferreira[efn_note]Cfr. (Carvalho & Pinto-Ferreira, 2014), p. 59.[/efn_note] entendem que “estão em causa as situações em que o próprio profissional recebe uma parte do preço pago pelo utente ao operador das comunicações electrónicas, bem como as chamadas de valor acrescentado(…). Em qualquer destes casos, o profissional está obrigado a informar o consumidor do preço de utilização da técnica de comunicação (…)”. Contudo, deve discordar-se de tal interpretação por duas ordens de razões: (i) em primeiro lugar, porque existem outras situações que podem ser eventualmente enquadráveis naquele regime jurídico, para além das duas situações referenciadas, e (ii) em segundo lugar e sobretudo, porque, apesar de existir uma justificação histórica para tal interpretação, ela não leva em conta a necessidade de conciliar o regime do art. 4.º-1-o) do DL 24/2014 com o regime do art. 9.º-D-1 da Lei 24/96, que, ao limitar expressamente os custos de utilização das linhas telefónicas, esvazia grande parte do conteúdo útil daquele outro artigo.

De acordo com o critério legal do art. 4.º-1-o) do DL 24/2014, haverá que distinguir quatro situações diferentes:

(i) as situações em que não há qualquer tipo de custo,
(ii) as situações em que o custo de utilização é inferior ao valor da tarifa base,
(iii) as situações em que o custo de utilização é idêntico ao valor da tarifa base e
(iv) as situações em que o custo de utilização é superior ao valor da tarifa base[efn_note]Nestas situações, é indiferente, para a obrigação legal de proceder à informação do custo de utilização da comunicação telefónica, ocorrer ou não a partilha do excedente de valor entre o operador de telecomunicações e o profissional.[/efn_note].

Numa interpretação literal da lei, o profissional apenas está obrigado a incluir na informação pré-contratual o custo da utilização da comunicação telefónica em duas daquelas quatro situações: (i) as situações em que o custo de utilização é inferior ao valor da tarifa base e (ii) as situações em que o custo de utilização é superior ao valor da tarifa base.

A lei está apenas preocupada com as situações[efn_note]Cfr., para uma compreensão mais lata da protecção dos consumidores no domínio das telecomunicações, (Leitão, 2002).[/efn_note] em que o custo de utilização é superior ao valor da tarifa base, porque, historicamente, constatou-se uma utilização abusiva de determinados tipos de planos de numeração, lesiva dos interesses e direitos dos consumidores, utilização essa associada, (i) por um lado, a planos tarifários pouco transparentes, com utilização camuflada de planos de numeração normal para exploração de verdadeiros serviços de valor acrescentado[efn_note]Como ex. típico desta prática abusiva, refira-se a utilização dos planos de numeração associados aos números iniciados por 707 e 708 (serviços de acesso universal) e aos números iniciados por 809 (serviços de chamadas com custos partilhados), “para a prestação de serviços segundo um conceito próximo do audiotexto (valor acrescentado), aproximando-se deste nomeadamente pelos preços praticados” – cfr. (ANACOM, 2004b). Prática abusiva esta que viria a exigir a intervenção do regulador no sentido da definição dos preços máximos destes planos de numeração – cfr. a Deliberação da ANACOM de 16 de Janeiro de 2014, (ANACOM, 2004a).[/efn_note] ou, (ii) por outro lado, a planos tarifários agressivos de serviços de valor acrescentado[efn_note]Práticas agressivas estas que levaram o legislador a implementar um regime rígido de barramento por defeito da utilização dos serviços de valor acrescentado, nos termos do art. 45.º-1 da Lei 5/2004: as “empresas que oferecem redes de comunicações públicas ou serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público que sirvam de suporte à prestação de serviços de audiotexto devem garantir, como regra, que o acesso a estes serviços se encontre barrado sem quaisquer encargos, só podendo aquele ser activado, genérica ou selectivamente, após pedido escrito efectuado pelos respectivos assinantes”. Sobre o regime jurídico geral da prestação de serviços de audiotexto ou serviços de valor acrescentado, consultar o art. 45.º da Lei 5/2004.
184 Cfr. infra, Cap. 13., desenvolvimentos sobre os custos das chamadas telefónicas.[/efn_note].

 

A entrada em vigor do art. 9.º-D-1 da Lei 24/96 veio, contudo, tornar ilegais aquelas práticas históricas, proibindo o pagamento pelo consumidor de quaisquer custos adicionais pela utilização de linhas telefónicas, além da tarifa base. Desta forma e no que respeita exclusivamente à técnica de comunicação telefónica, o art. 4.º-1-o) do DL 24/2014 fica com um conteúdo útil limitado às situações em que o custo de utilização é inferior ao valor da tarifa base, situações estas que não são prejudiciais para o consumidor.

Com excepção dos planos de numeração associados a chamadas telefónicas gratuitas e dos planos de numeração de acesso normal, de acordo com o plano de numeração de telefones fixos e de telemóveis, deverá sempre considerar-se que o profissional está obrigado a facultar o custo de utilização do meio de comunicação telefónica em duas situações típicas: (i) nas situações de utilização de planos de numeração nacional iniciados por 808, referentes a planos de custo de chamada local e (ii) nas situações de utilização de planos de numeração telefónica internacional, em que por norma o consumidor não tem meios para conhecer as tarifas desse planos[efn_note]É discutível se o profissional pode utilizar planos de numeração internacional e em que termos o poderá fazer, no âmbito de um relacionamento de consumo no quadro do regime do Direito do Consumo em Portugal – cfr., infra, Cap. 13.1.5.[/efn_note].

A compreensão do alcance e das consequências[efn_note]A necessidade desta conjugação é ilustrada pelo actual regime dos números 707: se, face ao regime do art.º 4.º-1-o) do DL 24/2014, o profissional apenas estaria obrigado a facultar ao consumidor as informações sobre o custo da sua utilização, já perante o regime do art. 9.º-D-1 da Lei 24/96 deve considerar-se ilegal a respectiva utilização no âmbito de relações jurídicas de consumo – cfr., sobre o regime dos números 707, desenvolvidamente, infra.[/efn_note] da regra do art. 4.º-2-o) do DL 24/2014 exige a sua conjugação com a regra da limitação dos custos de utilização da linha telefónica definida no art. 9.º-D-1 da Lei 24/96[efn_note]Cfr., infra, Cap. 13.[/efn_note].

 

Forma nos contratos telefónicos

O art. 5.º-7 do DL 24/2014 vem definir novos requisitos formais para a contratação telefónica, determinando que “quando o contrato for celebrado por telefone, o consumidor só fica vinculado depois de assinar a oferta ou enviar o seu consentimento escrito ao fornecedor de bens ou prestador de serviços, exceto nos casos em que o primeiro contacto telefónico seja efetuado pelo próprio consumidor”.

O cumprimento dos requisitos formais dos contratos telefónicos assume uma particular importância nos CTR, uma vez que todos os contratos celebrados nos CTR através de meios de telecomunicações orais são, por definição, contratos telefónicos.

 

História e enquadramento legal

Para a compreensão e aplicação deste preceito é importante conhecer a respectiva história:

– a versão original do art. 5.º-7 do DL 24/2014, que entrou em vigor no dia 13 de Junho de 2014[efn_note]Nos termos do art. 35.º do DL 24/2014.[/efn_note], determinava que “quando o contrato for celebrado por telefone, o consumidor só fica vinculado depois de assinar a oferta ou enviar o seu consentimento escrito ao fornecedor de bens ou prestador de serviços”
– a versão original deste artigo esteve em vigor apenas durante 46 dias[efn_note]Mais precisamente, entre o dia 13 de Junho de 2014, data de entrada em vigor do DL 24/2014, e o dia 29 de Julho de 2014, data de entrada em vigor das alterações introduzidas pelo DL 47/2014.[/efn_note], uma vez que o art. 4.º da Lei n.º 47/2014, de 28 de Julho, sob a epígrafe “alteração ao Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de fevereiro”, veio alterar o art. 5.º-7 do DL 24/2014, passando este preceito a ter a actual redacção[efn_note]Esta alteração entrou em vigor no dia 29 de Julho de 2014, nos termos do art. 8.º do DL 47/2014.[/efn_note].

A versão original do art. 5.º-7 do DL 24/2014 foi criada no âmbito da margem de discricionariedade normativa atribuída pela Directiva 2011/83/UE aos Estados-Membros, fundamentando a sua legitimidade e encontrando correspondência substancial nos termos do art. 8.º-6[efn_note]O art. 8.º-6 da Directiva 2011/83/UE estabelece que “Se um contrato à distância for celebrado por telefone, os Estados-Membros podem prever que o profissional tenha de confirmar a oferta ao consumidor, que só fica vinculado depois de ter assinado a oferta ou de ter enviado o seu consentimento por escrito. Os Estados-Membros podem igualmente exigir que essa confirmação seja efectuada num suporte duradouro”.[/efn_note] da Directiva 2011/83/UE. A Directiva 2011/83/UE, apesar de ser uma directiva de harmonização máxima[efn_note]Cfr. art. 4.º da Directiva 2011/83/UE, sob a epígrafe “nível de harmonização”, estabelece que os “Estados-Membros não devem manter ou introduzir na sua legislação nacional disposições divergentes das previstas na presente directiva, nomeadamente disposições mais ou menos estritas, que tenham por objectivo garantir um nível diferente de protecção dos consumidores, salvo disposição em contrário na presente directiva”. Sobre a problemática do nível de harmonização da Directiva 2011/83/UE, cfr. (Frade & Almeida, 2014), pp. 258-263.[/efn_note], permite, contudo, nalguns aspectos concretos, uma margem de liberdade normativa aos Estados-Membros[efn_note]Para uma referência completa aos aspectos concretos da Directiva 2011/83/UE que podem ser desenvolvidos ou restringidos pelos Estados-Membros, cfr. (Frade & Almeida, 2014), pp. 263-264.[/efn_note]. No que respeita aos requisitos formais aplicáveis aos contratos à distância[efn_note]Cfr. a epígrafe do art. 8.º da Directiva 2011/83/UE.[/efn_note], especificamente celebrados por telefone, a lei, na sequência da transposição da Directiva 2011/83/UE pelo DL 24/2014, aproveitou a margem de liberdade concedida[efn_note]Cfr. (Carvalho, 2014), p. 148 e (Carvalho & Pinto-Ferreira, 2014), p. 75.[/efn_note], estabelecendo um preceito inovador[efn_note]Inovador porque não existe qualquer correspondência histórico-normativa no ordenamento jurídico português.[/efn_note] e radical[efn_note]Sobre o carácter “radical” do preceito, cfr. infra.[/efn_note] no ordenamento jurídico português.

O art. 4.º da Lei n.º 47/2014, ao alterar a versão original do art. 5.º-7 do DL 24/2014, acrescentando ao texto legal “exceto nos casos em que o primeiro contacto telefónico seja efetuado pelo próprio consumidor”, não encontra qualquer correspondência substancial na Directiva 2011/83/UE[efn_note]Cfr., a título de curiosidade, o artigo equiparável da lei espanhola – Ley General para la Defensa de los Consumidores y Usuarios y otras leyes complementarias, aprobado por el Real Decreto Legislativo 1/2007, de 16 de noviembre (modificada pela Ley 3/2014, de 27 de marzo), art. 98.º-6, nos termos do qual “[e]n aquellos casos en que sea el empresario el que se ponga en contacto telefónicamente con un consumidor y usuario para llevar a cabo la celebración de un contrato a distancia, deberá confirmar la oferta al consumidor y usuario por escrito, o salvo oposición del mismo, en cualquier soporte de naturaleza duradera. El consumidor y usuario sólo quedará vinculado una vez que haya aceptado la oferta mediante su firma o mediante el envío de su acuerdo por escrito, que, entre otros medios, podrá llevarse a cabo mediante papel, correo electrónico, fax ou sms”, acessível em («BOE.es – Documento BOE-A-2014-3329 – Ley 3/2014, de 27 de marzo – Ley General para la Defensa de los Consumidores y Usuarios», 2014).[/efn_note].

Neste enquadramento histórico-normativo, estranha-se (i) quer a política legislativa voluntarista, sem preocupação de motivação ou fundamentação[efn_note]Não se encontra qualquer referência à motivação ou à fundamentação desta norma, nem no preâmbulo do DL 24/2014, nem no preâmbulo do DL 47/2014.[/efn_note], (ii) quer, sobretudo, a rápida alteração da versão original do art. 5.º-7 do DL 24/2014[efn_note]Alteração esta que, nos modos em que foi realizada, deixa transparecer alguma precipitação legislativa, precipitação esta dificilmente compreensível, quer no quadro da Directiva 2011/83/UE, quer no quadro do ordenamento jurídico nacional.[/efn_note].

 

Forma especial

O proémio do art. 5.º-7 do DL 24/2014 estabelece uma forma especial para os contratos celebrados por telefone, afastando a aplicação do princípio geral de liberdade de forma definido pelo art. 219.º do Código Civil, exigindo que a vinculação contratual do consumidor seja realizada através de forma escrita[efn_note]Cuja preterição na aceitação causa nulidade do contrato – cfr. (Carvalho & Pinto-Ferreira, 2015), p. 102.[/efn_note] – exigência essa concretizada pela necessidade de assinatura da oferta contratual ou de consentimento escrito do consumidor.

A lei é omissa em relação aos tipos de documentos escritos que serão admissíveis para cumprimento do requisito de forma dos contratos celebrados por telefone, devendo considerar-se permitida a formalização deste tipo de contratos através de papel, telefax e correio electrónico. A este universo de meios de formalização escrita de contratos devem actualmente adicionar-se as mensagens escritas telefónicas[efn_note]As mensagens telefónicas escritas são tradicionalmente designadas pela expressão “SMS”, sigla inglesa que significa “short message service”. Deve considerar-se que a utilização de uma “SMS” cumpre o requisito legal de formalização do consentimento por escrito.[/efn_note] ou electrónicas[efn_note]As mensagens escritas emitidas através de meios electrónicos são verdadeiros meios de comunicação escrita em tempo real, cumprindo também com o requisito legal de formalização do consentimento por escrito. Apesar de existirem muitos tipos de aplicações electrónicas de comunicação escrita em tempo real e de a nomenclatura oscilar, este tipo de mensagens é conhecido geralmente pela expressão inglesa de “chat” ou “webchat”..[/efn_note]

 

Enquadramento doutrinário do formalismo especial

A exigência de forma escrita para a celebração de contratos através de técnicas de comunicação telefónica é doutrinariamente enquadrada num movimento de “ressurgimento do formalismo no âmbito do direito do consumo”[efn_note]Cfr. (Almeida, 2005) e(Carvalho & Pinto-Ferreira, 2014), p. 75, com indicação de autores nesse sentido.[/efn_note] e justificada quer pela necessidade de protecção dos consumidores, quer pela necessidade de crescimento económico, finalidades essas que seriam potenciadas pelo acréscimo de confiança e segurança jurídica, acréscimo esse associado à forma especial[efn_note]Cfr. o desenvolvimento e a defesa destes argumentos em (Carvalho & Pinto-Ferreira, 2014), p. 75.[/efn_note].

Contudo, se se aceita genericamente a tese de que “a imposição de uma forma especial constitui um factor de protecção do consumidor”[efn_note]Cfr. (Carvalho & Pinto-Ferreira, 2014), p. 75.[/efn_note], deve considerar-se que está por provar que a imposição de uma forma especial conduza necessariamente ao crescimento económico e ao desenvolvimento das economias de mercado. A partir da análise económica do Direito é possível demonstrar que as exigências de formas especiais para a celebração de negócios jurídicos acarretam muitas vezes quatro tipos de consequências nefastas[efn_note]Cfr., neste sentido, desenvolvidamente, (Mendoza Losana, 2013), p. 3.[/efn_note]:

(i) burocratização de procedimentos de contratação, com aumento de custos para os consumidores;
(ii) incremento dos custos dos profissionais, que, por sua vez, repercutem esses custos nos consumidores;
(iii) redução do dinamismo da contratação através de técnicas de comunicação à distância e, especificamente, da contratação telefónica, que depende da facilidade e rapidez da comunicação em tempo real e
(iv) redução da concorrência, quer no âmbito do mercado interno, quer no âmbito do mercado da União Europeia.

 

Fim dos contratos telefónicos

O art. 5.º-7 do DL 24/2014 é um preceito extremamente importante, quer pelo seu carácter inovador, quer, sobretudo, pelo seu carácter radical e verdadeiramente revolucionário[efn_note]Carácter “revolucionário” no sentido de mudança rápida e profunda na estrutura normativa tradicional do ordenamento jurídico.[/efn_note] em termos normativos, uma vez que determina o fim dos contratos telefónicos.

Ao exigir a forma escrita para a celebração de contratos através de meios de comunicação telefónica, a lei obriga à cessação das actividades de contratação puramente telefónica[efn_note]De acordo com (Mendoza Losana, 2013), p. 1, “la contratación telefónica com consumidores tiene los días contados”.[/efn_note], sendo revolucionária em duas perspectivas históricas: (i) revolucionária na perspectiva do passado, porque coloca um ponto final em práticas comerciais de contratação consolidadas durante mais de cem anos[efn_note]De acordo com (Rollo, 2010), s/n, “a primeira exploração das redes telefónicas de Lisboa e Porto foi concedida, em Portugal, por contrato celebrado em 1882, à Edison Gower Bell Telephone Co. of Europe, Limited, ficando reservada ao Estado a implantação do serviço no resto do País. Em 1887, a concessão da Edison foi para The Anglo Portuguese Telephone Company (APT)1, dada a necessidade de criar uma empresa específica para o serviço telefónico português”.[/efn_note] e (ii) revolucionária na perspectiva do futuro, porque rompe frontalmente com o paradigma de desenvolvimento do comércio electrónico[enf_note]Comércio electrónico em sentido amplo, em que a comunicação telefónica e os meios de telecomunicações em geral desempenham um papel fundamental.[/efn_note] num contexto de globalização da sociedade digital assente em tecnologias de informação e comunicação.

É legítimo duvidar[efn_note]A rapidez com que o DL 47/2017 procedeu às alterações ao texto do art. 5.º-7 do DL 24/2014, limitando o respectivo âmbito de aplicação, indicia precipitação e ligeireza no tratamento do tema pelo legislador.[/efn_note] que a lei tivesse um objectivo revolucionário expresso, nos termos gerais do art. 5.º-7 do DL 24/2014, sendo ainda desconhecidas, no quadro do ordenamento jurídico português, as consequências sistémicas da respectiva aplicação, quer porque ainda é muito reduzido o estudo e desenvolvimento jurídico-doutrinário deste normativo[efn_note]Cfr. (Carvalho & Pinto-Ferreira, 2014), págs. 74-77 e (Carvalho, 2014), págs. 147-149.[/efn_note], quer, sobretudo, porque são inexistentes análises económico-sociais do Direito[efn_note]A doutrina jurídica tem focalizado a atenção sobre a contratação electrónica e o comércio electrónico em sentido estrito, esquecendo completamente a realidade das práticas comerciais realizadas através de comunicação telefónica.[/efn_note] focalizadas sobre a realidade da contratação telefónica e das práticas comerciais realizadas por meios de comunicação telefónica em geral.

Condicionando a existência, validade e eficácia do contrato celebrado à forma escrita, concretizada pela assinatura ou consentimento escrito do consumidor, o proémio do art. 5.º-7 do DL 24/2014 reduz o telefone a um meio de informação, de comunicação de marketing ou publicidade e de apoio ou assistência[efn_note]Cfr. (Mendoza Losana, 2013),p. 3 e (Mendoza Losana, 2012) p. 51.[/efn_note].

Abdicar do princípio da liberdade de forma no âmbito da contratação telefónica, impondo a forma escrita como condição de vinculação, nos termos gerais em que essa abdicação é feita pelo proémio do art. 5.º-7 do DL 24/2014, tem quatro grandes significados:

(i) admitir os custos associados às consequências nefastas atribuídas pela análise económica do Direito às formalidades especiais,
(ii) criar obstáculos adicionais às práticas comerciais correntes de fornecimento imediato de bens ou de activação imediata de serviços em sectores tradicionais de actividade económica que exigem grande dinamismo, como, por ex., a contratação telefónica de água, luz, telecomunicações e serviços similares[efn_note]Cfr. (Mendoza Losana, 2013), p. 2.[/efn_note]
(iii) bloquear totalmente o desenvolvimento de actividades económicas desenvolvidas exclusivamente através de meios de comunicação telefónica[efn_note]Veja-se o caso, por ex., das actividades da banca telefónica, dos seguros telefónicos, da distribuição telefónica e dos serviços de telecomunicações em geral.[/efn_note] e reduzir o ímpeto de criação de sub-unidades comerciais autónomas especializadas em comunicação telefónica dentro das unidades comerciais gerais das actividades económicas em geral[efn_note]Veja-se a tendência, por ex., de criação de sub-unidades especializadas em comunicação telefónica dentro das direcções comerciais ou de marketing da maioria das grandes empresas, independentemente do sector de actividade – tendência esta comprovada pelo crescimento sistemático do universo e do mercado dos CTR.[/efn_note],
(iv) e, finalmente, gerar situações paradoxais no contexto das práticas de comércio electrónico de uma sociedade digital assente nas tecnologias de informação e comunicação, em que as apostas na desmaterialização, digitalização, mobilidade e globalização das interacções e das transacções numa sociedade em rede chocam com as exigências de formalismos especiais.

Ainda que não se questione a importância dos formalismos legais especiais e, designadamente, da forma escrita, para uma protecção acrescida dos direitos dos consumidores[efn_note]Além da doutrina citada supra, os media, logo após a publicação do DL 24/2014, chamando a atenção para o facto de “contratos deixa[re]m de poder ser celebrados por telefone”, sublinharam que vem “claramente aumentar a protecção dos consumidores”– cfr., a título exemplificativo, (LUSA, 2014).[/efn_note], além de questionar sobre o respectivo custo e consequências, é legítimo questionar, no contexto de uma sociedade digital, (i) se a adopção de formalismos especiais é o único meio disponível para permitir o aumento da protecção dos direitos dos consumidores e, sobretudo, (ii) se será, entre todos os meios eventualmente disponíveis, o meio mais adequado para assegurar essa protecção.

 

Equilíbrio e praticabilidade do regime

Se a discussão sobre a importância dos formalismos legais especiais na protecção dos direitos dos consumidores extrapola o âmbito da análise desta tese, já é relevante, contudo, a demonstração de como a aplicação do art. 5.º-7 do DL 24/2014 pode ser desequilibrada, a ponto de roçar o impraticável, no quadro das práticas comerciais realizadas através de técnicas de comunicação telefónica e da actividade específica dos CTR, bastando para tal reflectir sobre o impacto deste regime sobre quatro tipos de serviços de utilização generalizada:

(i) impossibilita a existência de serviços telefónicos de activação imediata de actividades económicas,
(ii) impossibilita ou dificulta a prestação de serviços urgentes através do telefone,
(iii) onera significativamente os serviços de distribuição suportados em vendas telefónicas e
(iv) desvirtua ou onera a função dos serviços telefónicos de encomendas e reservas.

 

Relevância jurídica do contacto ou da contratação telefónica

O art. 4.º da Lei n.º 47/2014, ao alterar a versão original o art. 5.º-7 do DL 24/2014, acrescentando ao texto legal “exceto nos casos em que o primeiro contacto telefónico seja efetuado pelo próprio consumidor”, vem mitigar o carácter radical e revolucionário do preceito ao atribuir uma relevância jurídica formal específica distinta às situações em que a iniciativa do contacto e subsequente contratação é atribuída ao consumidor.
O regime legal actual dos requisitos de forma nos contratos celebrados à distância por telefone, nos termos do art. 5.º-7 do DL 24/2014, determina assim a existência de duas situações típicas, distinguidas de acordo com o critério da iniciativa do primeiro contacto telefónico:

(i) de acordo com a segunda parte deste art., nas situações em que o contrato é celebrado na sequência de um primeiro contacto telefónico efectuado pelo próprio consumidor, vigora o princípio geral da liberdade de forma, nos termos do art. 219.º do CC, podendo qualificar-se estes contratos como verdadeiros “contratos telefónicos”;
(ii) de acordo com o proémio deste art., em todas as restantes situações de contacto telefónico vigora a regra da forma escrita, não sendo possível qualificar os contratos celebrados na sequência desses contactos como verdadeiros “contratos telefónicos”.

O critério fundamental para determinar a forma do contrato é o critério do primeiro contacto telefónico, variando as exigências formais do contrato caso este seja da iniciativa do consumidor ou caso este seja da iniciativa do profissional.

 

Problemas criados

Se a intenção da lei é aumentar a protecção dos direitos do consumidor, considera-se infeliz o actual regime legal, quer por ser artificial o critério do primeiro contacto telefónico, quer por não serem considerados vários aspectos essenciais do relacionamento entre o profissional e o consumidor, dando origem a vários tipos de dificuldades de enquadramento jurídico:

(I) qual o regime de requisitos de forma a aplicar nas situações em que o primeiro contacto é realizado por escrito pelo consumidor[efn_note]Imagine-se uma situação em que o consumidor envia uma carta, correio electrónico ou telefax com um pedido de informações sobre um determinado bem ou serviço, iniciando o processo de negociação por escrito.[/efn_note], respondendo o profissional através de contacto telefónico e sendo celebrado o contrato na sequência desse contacto telefónico?

 

Uma vez que o art. 5.º-7 do DL 24/2014 apenas ressalva as situações “em que o primeiro contacto telefónico seja efectuado pelo próprio consumidor”, nestas situações concretas será necessária forma escrita, apenas ficando o consumidor vinculado depois de assinar a oferta ou enviar o seu consentimento escrito – regime este que, contudo, não faz grande sentido, uma vez que a iniciativa é, para todos os efeitos, do consumidor.

 

(II) qual o regime de requisitos de forma a aplicar nas situações em que o primeiro contacto é realizado por telefone pelo consumidor, mas tendo esse contacto um carácter de chamada meramente informativa?[efn_note]Sobre os critérios e a importância prática da distinção entre chamadas informativas e chamadas transacionais, cfr. (Melo, 2016f).[/efn_note] Situações estas que podem ser divididas em dois grandes grupos:(i) chamadas meramente informativas, realizadas por iniciativa do consumidor, que dão origem a contactos ou chamadas telefónicas posteriores, realizadas pelo profissional, em resposta ou seguimento respectivo e normalmente com carácter de proposta contratual;

 

(ii) chamadas meramente informativas, realizadas por iniciativa do consumidor, que dão origem a uma proposta contratual[efn_note]Imagine-se uma situação em que, (i) primeiramente, um consumidor entra em contacto telefónico para averiguar da disponibilidade de um produto no estabelecimento do profissional, desligando a chamada após a prestação da informação e, depois, (ii) é contactado telefonicamente pelo profissional para celebrar um contrato de compra e venda desse mesmo produto.[/efn_note] realizada por iniciativa do profissional durante essas mesmas chamadas.

 

O critério legal é o critério da iniciativa do contacto telefónico, não distinguindo a lei entre os diferentes tipos específicos possíveis de objectivos ou finalidades desse mesmo contacto, pelo que, mesmo nas situações de chamadas meramente informativas da iniciativa do consumidor fica preenchida a ressalva legal que excepciona a exigência de forma escrita. Questiona-se, contudo, a bondade e coerência deste regime, uma vez que, se o objectivo da forma escrita é proteger os interesses do consumidor, não se compreende como é que, no caso das chamadas meramente informativas, essa protecção é excluída[efn_note]Compare-se a diferença de regimes entre duas situações: (i) o consumidor entra em contacto telefónico para obter uma informação sobre o horário de funcionamento do estabelecimento e o profissional aproveita o contacto para celebrar um contrato de compra e venda de um produto, caso em que não é exigível forma escrita, (ii) sem prévio contacto telefónico do consumidor, o profissional entra em contacto telefónico com o consumidor para celebrar um contrato de compra e venda de um produto, caso em que já é exigível forma escrita.[/efn_note], uma vez que há grandes diferenças entre chamadas de carácter informativo e chamadas de carácter transaccional.

 

(III) qual o regime de requisitos de forma a aplicar nas situações[efn_note]Imagine-se a situação em que um consumidor entra em contacto telefónico com o profissional para adquirir um produto na sua versão simples e barata, aproveitando o profissional para vender uma versão mais desenvolvida e dispendiosa desse mesmo produto.[/efn_note] em que o primeiro contacto é realizado por telefone pelo consumidor, com carácter transaccional, mas em que o profissional realiza práticas comerciais de qualificação de vendas[efn_note]Na terminologia inglesa, “upselling”.[/efn_note]?

 

Nestas situações, face ao critério legal da iniciativa do contacto telefónico pelo consumidor, não será exigível a forma escrita para a celebração dos contratos telefónicos.

 

(IV) qual o regime de requisitos de forma a aplicar nas situações[efn_note]Imagine-se a situação em que um consumidor entra em contacto telefónico com o profissional para adquirir um produto, aproveitando o profissional para vender mais um ou outros produtos adicionais distintos do inicialmente pretendido pelo consumidor.[/efn_note] em que o primeiro contacto é realizado por telefone pelo consumidor, com carácter transaccional, mas em que o profissional realiza práticas comerciais de vendas cruzadas[efn_note]Na terminologia inglesa, “cross-selling”.[/efn_note]?

 

Nestas situações de ocorrência cada vez mais frequente, face ao critério legal da iniciativa do contacto telefónico pelo consumidor, não será exigível a forma escrita para a celebração dos contratos telefónicos. Contudo, é também questionável a adequação do regime ao desiderato da protecção dos interesses do consumidor.

 

(V) qual o regime de requisitos de forma a aplicar nas situações[efn_note]Imagine-se a situação em que um consumidor entra em contacto telefónico com o profissional após receber mensagens publicitárias apelando a essa acção, aproveitando o profissional o contacto para celebrar um contrato com o consumidor.[/efn_note] em que o primeiro contacto é realizado por telefone pelo consumidor na sequência de campanhas de geração de contactos[efn_note]Na terminologia inglesa, “lead generation”.[/efn_note]?

Nestas situações, também de ocorrência cada vez mais frequente, face ao critério legal da iniciativa do contacto telefónico pelo consumidor, não será exigível a forma escrita para a celebração dos contratos telefónicos. Contudo, é de questionar a adequação do regime ao desiderato da protecção dos interesses do consumidor, tanto mais que pode dar azo a situações manifestamente abusivas[efn_note]Um caso típico é o caso em que são empregues técnicas de concursos para geração de contactos por telefone, em que o consumidor é induzido ao contacto telefónico para efeitos de concorrer a um prémio, aproveitando o profissional a oportunidade do contacto para proceder à celebração de contratos.[/efn_note].

 

(VI) numa variável da situação anterior, qual o regime de requisitos de forma a aplicar nas situações[efn_note]Imagine-se a situação em que um consumidor entra em contacto telefónico com o profissional após receber um pedido apelando a essa acção, visando o profissional através desse pedido a celebração de um contrato com o consumidor.[/efn_note] em que o primeiro contacto é realizado por telefone pelo consumidor na sequência de um pedido expresso ou tácito do profissional[efn_note]Pedido expresso ou tácito este que poderá ter carácter escrito ou oral e ser realizado por meios presenciais, publicitários ou, inclusivamente, por outros meios de comunicação à distância.[/efn_note]?

Nestas situações, também de ocorrência frequente, face ao critério legal da iniciativa do contacto telefónico pelo consumidor, não será exigível a forma escrita para a celebração dos contratos telefónicos. Contudo, é de questionar a adequação do regime ao desiderato da protecção dos interesses do consumidor, tanto mais que pode dar azo a situações de verdadeira fraude à lei[efn_note]Situações de fraude à lei estas que não afastam o cumprimento do formalismo legal – cfr. (Carvalho & Pinto-Ferreira, 2015), p. 102.[/efn_note].

 

(VII) qual o regime jurídico das situações em que o consumidor tenta entrar em contacto com o profissional mas essa tentativa não é concretizada[efn_note]Imagine-se a seguinte situação: o consumidor tenta entrar em contacto com o profissional, a chamada fica em fila de espera durante sessenta segundos, optando o consumidor por registar os seus dados para efeitos de realização de contacto de retorno posterior pelo profissional.[/efn_note], sendo contactado posteriormente pelo profissional na sequência da tentativa de contacto original?

Face ao critério legal da iniciativa do contacto telefónico pelo consumidor, uma vez que o contacto telefónico não se efectiva, deverá ser exigida a forma escrita para a celebração dos contratos telefónicos.

 

Problema da prova da iniciativa do contacto

O regime dualista no âmbito dos requisitos de forma nos contratos celebrados à distância através de meios de comunicação telefónica, ao exigir, por um lado, forma escrita para os contratos celebrados nos termos do proémio do art. 5.º-7 do DL 24/2014, e ao permitir, por outro lado, liberdade de forma, nos termos da ressalva da parte final do art. 5.º-7 do DL 24/2014, vem gerar dificuldades de prova em relação à iniciativa do contacto, quer para os profissionais, quer para os próprios consumidores.

Certo é que a lei não define um regime especial de prova para as situações previstas no art. 5.º-7 do DL 24/2014, pelo que será aplicável o regime geral do ónus da prova estabelecido pelo art. 342.º do CC[efn_note]Extrapola do presente tema de investigação o desenvolvimento da problemática do ónus da prova – sobre a problemática da distribuição do ónus da prova em conflitos de consumo, cfr. (Teixeira, 2015), p. 144 e ss..[/efn_note].

 

Consentimento prévio expresso para a emissão de chamadas

Os CTR e todas as práticas comerciais realizadas através de comunicações telefónicas têm que cumprir com o regime jurídico das comunicações não solicitadas[efn_note]Cfr., a propósito do correio electrónico, ( Leitão, 2002) e, a propósito das publicidade domiciliária por telefone ou telecópia, (Pinto, 1999).[/efn_note], quer nos termos específicos do art. 8.º do DL 24/2014, quer nos termos gerais do art. 13.º-A da Lei 41/2004.

Para pôr fim às práticas agressivas de emissão de chamadas, a lei veio exigir o consentimento prévio expresso do consumidor para a realização das comunicações telefónicas pelo profissional. O sistema de relacionamento telefónico, no que respeita à emissão de chamadas, fica configurado pela lei como um sistema de “opt-in”[efn_note]Sobre os regimes de “opt-in” e de “opt-out”, consultar (Oliveira, 1996b), p. 74-75.[/efn_note].

 

Art. 8.º do DL 24/2014

O art. 8.º do DL 24/2014, sob a epígrafe “restrições à utilização de determinadas técnicas de comunicação à distância”, determina que o “envio de comunicações não solicitadas através da utilização de técnicas de comunicação à distância depende do consentimento prévio expresso do consumidor, nos termos da Lei n.º 46/2012, de 29 de agosto”.

Apesar de o DL 24/2014 ter um âmbito subjectivo de aplicação diferente da Lei 41/2004[efn_note]Sobre a compatibilização do regime do art. 8.º do DL 24/2014 com o regime do art. 13.º-A da Lei 41/2004, em termos de aplicação subjectiva, cfr. (Carvalho & Pinto-Ferreira, 2014), p. 84.[/efn_note], o art. 8.º é aplicável a todo o tipo de comunicações telefónicas com o consumidor[efn_note]Para todos os efeitos, as comunicações telefónicas são uma “técnica de comunicação à distância”, nos termos do conceito definido pelo art. 3.º-m) do DL 24/2014.[/efn_note], quer de carácter automático, quer de carácter personalizado.

A remissão do art. 8.º do DL 24/2014 para a Lei 46/2012, de 29 de Agosto é “inadequada”[efn_note]Cfr. a crítica de (Carvalho & Pinto-Ferreira, 2014), p. 83.[/efn_note], devendo ser considerada realizada para a Lei 41/2004, que define o regime das comunicações não solicitadas nos termos anteriormente descritos.

 

Art. 13.º-A-1 da Lei 41/2004

De acordo com o art. 13.º-A-1 da Lei 41/2004, “está sujeito a consentimento prévio e expresso do assinante que seja pessoa singular, ou do utilizador, o envio de comunicações não solicitadas para fins de marketing direto[efn_note]A propósito da problemática das mensagens de correio electrónico não solicitado, cfr. (Leitão, 2002). Em relação à problemática das mensagens publicitárias por telefone ou telecópia, cfr. (Pinto, 1999).[/efn_note], designadamente através da utilização de sistemas automatizados de chamada e comunicação que não dependam da intervenção humana (aparelhos de chamada automática), de aparelhos de telecópia ou de correio eletrónico, incluindo SMS (serviços de mensagens curtas), EMS (serviços de mensagens melhoradas) MMS (serviços de mensagem multimédia) e outros tipos de aplicações similares”.

Este art. é aplicável directamente[efn_note]A Lei 41/2004 regula o “tratamento de dados pessoais e a proteção da privacidade no sector das comunicações eletrónicas”, incluindo neste conceito amplo quer as comunicações informáticas ou electrónicas em sentido restrito, quer as telecomunicações ou comunicações por telefonia.[/efn_note] a todas as comunicações telefónicas que tenham finalidades de marketing directo, quer as realizadas através de sistemas de chamadas automáticas, quer as realizadas através de sistemas de chamadas personalizados, com recurso a teleoperadores ou assistentes telefónicos[efn_note]Questionando a aplicação deste art. no caso das “comunicações telefónicas não solicitadas em que intervenha um assistente”, cfr. (Carvalho & Pinto-Ferreira, 2014), p. 84. Contudo não se vê motivo para tal posição, uma vez que, na primeira parte deste art., o legislador não separa, dentro das comunicações não solicitadas, entre comunicações personalizadas e comunicações automáticas, utilizando a expressão “designadamente”, na segunda parte, para ilustrar um elenco exemplificativo de sistemas ou aplicações.[/efn_note].