(II) Regime Jurídico dos Centros Telefónicos de Relacionamento (Enquadramento Histórico)

Apr 7, 2021 | Uncategorized

Enquadramento histórico do regime jurídico dos CTR

 

Regime do DL 134/2009, de 2 de Junho, alterado pelo DL 72-A/2010, de 18 de Junho

O regime jurídico dos CTR em Portugal foi definido pela primeira vez através do DL 134/2009, de 2 de Junho. Com uma “vacatio legis” de 180 dias, nos termos do seu art. 12.º, o DL 134/2009 entrou em vigor no dia 29 de Novembro de 2009.

Passado pouco tempo depois da sua entrada em vigor, sobretudo pressionado pelas críticas plasmadas nas deliberações e pareceres da CNPD[efn_note]Cfr. (CNPD, sem data), (CNPD, 2009), (CNPD, 2010a) e (CNPD, 2010b).[/efn_note], o Governo veio alterar o regime definido inicialmente pelo DL 134/2009, procedendo, através do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho, Decreto-Lei de execução orçamental, por um lado, à revogação do art. 9.º do DL 134/2009, por via do disposto no art. 92.º desse DL e, por outro lado, à expurgação da matéria contra-ordenacional que constava do art. 10.º-1 do DL 134/2009, referente à obrigatoriedade de gravação de chamadas prevista no art. 9.º, por via da alteração constante do art. 89.º desse DL.

Nos termos do art. 93.º do DL 72-A/2010, estas duas alterações ao DL 134/2009 entraram em vigor no dia 1 de Janeiro de 2010.

 

Ligação do RJCTR português com o regime jurídico brasileiro dos “Call Centers”

O RJCTR definido pelo DL 134/2009 recebeu inspiração directa do regime jurídico brasileiro dos “Call Centers”[efn_note]Regime este conhecido no Brasil pela designação de “Lei do Call Center”.[/efn_note], definido pelo Decreto nº 6.523, de 31 de Julho

de 2008 (Decreto do Brasil)[efn_note]Acessível em (Decreto n.o 6.523, de 31 de Julho de 2008 – Regulamenta a Lei n.o 8.078, de 11 de setembro de 1990, para fixar normas gerais sobre o Serviço de Atendimento ao Consumidor – SAC, 2008).[/efn_note], e regulamentado pela Portaria nº 2.014, de 13 de Outubro de 2008 (Portaria do Brasil)[efn_note]Acessível em (Portaria do Ministério da Justiça n.o2.014, de 13 de Outubro de 2008, 2008).[/efn_note].

Sem pretensões de análise comparativa dos dois regimes jurídicos, é possível compreender a relação histórica entre o regime português e o regime brasileiro a partir de três ideias fundamentais: (i) apesar de terem um objecto[efn_note]Comparar o art. 1º do DL 134/2009 com o art. 1º do Decreto nº 6.523 (Decreto do Brasil).[/efn_note] e um âmbito de aplicação[efn_note]Comparar o art. 2º do DL 134/2009 com o art. 2º do Decreto nº 6.523 (Decreto do Brasil).[/efn_note] diferentes, sendo o objecto e âmbito do regime português mais amplo do que o objecto e âmbito do regime brasileiro e (ii) apesar de definirem regras, prazos e sanções distintas para situações comuns, (iii) a verdade é que o regime português adopta muitas das soluções do regime brasileiro, quer através de cópia integral, quer através de adopção parcelar ou de mera reformulação[efn_note]Compare-se, respectivamente, por ex., os art.ºs 4º-2, 4º-5, 5º-1-b), 8º-1, 8º-2, 8º-4, 8º-5 e 8º-6 do DL 134/2009 com os art.ºs 4º-§3, 7º, 14º, 8º, 17º-§2, 17º, 10º, 4º-§3, 10º-§3 e 15º-§3 do Decreto nº 6.523 (Decreto do Brasil).[/efn_note].


À medida que sejam identificados os princípios e as regras jurídicas fundamentais do RJCTR, será referenciada a respectiva ligação ao regime brasileiro.

 

Críticas subsequentes à publicação do DL 134/2009 e às alterações do DL 72-A/2010

 

A publicação do DL 134/2009 deu origem a três grandes tipos de críticas:

– críticas de carácter procedimental, em relação à falta de audição da CNPD no âmbito do procedimento legislativo de elaboração do DL 134/2009[efn_note]“A CNPD ressalva, desde já, a circunstância de não ter sido promovida a devida audição no âmbito do procedimento legislativo que deu origem ao supra mencionado Decreto-Lei n.º 134/2009, de 2 de Junho, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 22.º da LPD” – (CNPD, 2009), p. 3.[/efn_note];

– críticas de carácter formal, em relação à (alegada) inconstitucionalidade formal do DL 134/2009[efn_note]Cfr. (CNPD, 2009, 2010a).[/efn_note] e

-finalmente, críticas de carácter conceptual e substancial, quer em relação ao carácter indeterminado de muitos conceitos utilizados[efn_note]Cfr. a crítica da CNPD: “[n]ão resulta claro (…) qual o âmbito de aplicação do mesmo [DL 134/2009], por força da prolixa utilização de conceitos indeterminados, em prejuízo de interpretações inequívocas por parte do destinatário da norma” (CNPD, 2010), p. 6.[/efn_note], quer em relação a matérias concretamente regulamentadas pelo DL 134/2009, provenientes das duas principais associações representativas dos profissionais deste sector de actividade: a APCC – Associação Portuguesa de Contact Centers[efn_note]A APCC publicou uma Proposta de Alteração ao DL 134/2009 que se encontra acessível para consulta on-line (APCC, 2009).[/efn_note] e a APRITEL – Associação dos Operadores de Telecomunicações[efn_note]A APRITEL, além de ter publicado um conjunto de Comentários ao Decreto-Lei n.º 134/2009 (APRITEL, 2009a), publicou também um Projecto de Portaria que regulamenta o Decreto-Lei n.º 134/2009 (APRITEL, 2009b).[/efn_note].

Na sequência da publicação das alterações do DL 72-A/2010, a CNPD viria a realizar duas críticas adicionais[efn_note]Críticas essas que a CNPD já tinha comunicado anteriormente ao legislador, através do Parecer n.º 2/2010, referente ao “projecto de decreto-lei que visa proceder à revogação do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 134/2009”, em sede do procedimento de audição e “emitido no uso da competência prevista na al. a) do n.º 1 do artigo 23.º” da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro (LPD) – cfr. (CNPD, 2010a), páginas 9 e 10.[/efn_note]:

– por um lado, críticas à quebra da coerência normativa do DL 134/2009 provocada pela revogação do art. 9.º, sobretudo no que se refere à “necessidade de harmonizar o regime de prova do cumprimento das obrigações a que alude o n.º 8 do artigo 6.º, o qual, de acordo com a interpretação efectuada, se apoiava na obrigatoriedade da gravação de chamadas pelo mesmo prazo, i.e., 90 dias”[efn_note]Cfr. (CNPD, 2010), p. 9.[/efn_note] e

– por outro lado, críticas à falta de um regime de previsão de efeitos às situações constituídas no período anterior à data de entrada em vigor das alterações introduzidas pelo DL 72-A/2010[efn_note]Regime esse justificado pelo facto de a CNPD ter já emitido “autorizações de tratamento de dados relativos a gravações de chamadas ao abrigo do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 134/2009 (…), com fundamento na respectiva disposição legal” que o DL 72-A/2010 veio expressamente revogar – cfr. (CNPD, 2010), p. 9.[/efn_note].

As críticas de carácter conceptual e substancial ao regime do DL 134/2009 e as críticas às alterações introduzidas pelo DL 72-A/2010 são tratadas no capítulo referente ao estudo detalhado do regime jurídico dos CTR[efn_note]Cfr., infra, Cap. 3. e ss..[/efn_note]. Extrapola do âmbito desta investigação (i) a análise e tratamento das críticas referentes ao procedimento legislativo e à (alegada) inconstitucionalidade formal do DL 134/2009 e (ii) o enquadramento do problema da gravação de chamadas no contexto da protecção de dados pessoais[efn_note]Sobre estas duas problemáticas, cfr. os desenvolvimentos em (Melo, 2016f).[/efn_note].