O art. 9.º-D da Lei 24/96[efn_note]Aditado pelo art. 3º da Lei n.º 47/2014, de 28 de Julho. Esta lei procede à quarta alteração da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, que estabelece o regime legal aplicável à defesa dos consumidores, e à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro, transpondo parcialmente a Directiva n.º 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Outubro de 2011.[/efn_note], com a epígrafe “serviços de promoção, informação ou contacto com os consumidores” tem uma relevância fundamental no enquadramento jurídico da actividade dos CTR, ao proceder à limitação dos custos de utilização das linhas telefónicas.
Limitação dos custos de utilização – art. 9.º-D-1 da Lei 24/96
Nos termos do art. 9.º-D-1 da Lei n.º 24/96, a “disponibilização de linha telefónica para contacto no âmbito de uma relação jurídica de consumo não implica o pagamento pelo consumidor de quaisquer custos adicionais pela utilização desse meio, além da tarifa base, sem prejuízo do direito de os operadores de telecomunicações faturarem aquelas chamadas”.
Este preceito resulta da transposição, para a ordem jurídica interna, do art. 21.º da Directiva 2011/83/UE[efn_note]De acordo com o qual, os “Estados-Membros garantem que, no caso de o profissional utilizar uma linha telefónica para ser contactado em relação ao contrato celebrado, o consumidor, ao contactar o profissional, não fique vinculado a pagar mais do que a tarifa de base.
O primeiro parágrafo aplica-se sem prejuízo do direito dos fornecedores de serviços de telecomunicações facturarem essas chamadas”.[/efn_note].
Objectivos
A lei pretendeu alcançar dois objectivos distintos cumulativos: por um lado, garantir o carácter gratuito da disponibilização da linha telefónica para contacto no âmbito de uma relação jurídica de consumo e o correspectivo serviço de contacto telefónico prestado pelo profissional, no âmbito do relacionamento com o consumidor e, por outro lado, restringir o custo de utilização da linha telefónica pelo consumidor ao valor da tarifa de base, salvaguardando o direito dos operadores de telecomunicações procederem à facturação desse valor a esse mesmo consumidor.
Ou seja, existindo um serviço de contacto, disponibilizado pelo profissional ao consumidor no âmbito de uma relação jurídica de consumo, suportado por uma linha telefónica, o único custo de utilização desse serviço de contacto a pagar pelo consumidor será o custo correspondente ao preço da tarifa de base dessa linha telefónica, (i) não podendo ser cobrado qualquer valor ao consumidor pelo serviço de contacto prestado pelo profissional, (ii) nem podendo ser cobrado qualquer valor ao consumidor pela utilização da linha telefónica que ultrapasse o valor da tarifa de base.
Problema da determinação do valor da tarifa de base
A lei é omissa em relação à forma de identificação da tarifa base, pelo que identificar as situações em que é obrigatória a informação do custo de utilização do meio de comunicação telefónica pode ser uma tarefa difícil, (i) quer por existirem diferentes meios de comunicação telefónica, de carácter fixo, móvel, ou por via de Internet, (ii) quer por existirem diferentes operadores em cada um dos meios de comunicação, com planos de numeração e planos tarifários diferentes uns dos outros, (iii) quer, finalmente, pelo facto de um mesmo operador poder apresentar, em relação a um específico meio de comunicação telefónica, vários planos tarifários distintos.
Apesar das dificuldades de definição do valor da tarifa base anteriormente descritas, é possível tipificar as situações em que o profissional disponibiliza um número de telefone e os respectivos tipos de planos tarifários[efn_note]Para mais informações sobre o Plano Nacional de Numeração, cfr. a página institucional da ANACOM. Para realização de consultas e simulações aos diferentes planos tarifários, cfr. (ANACOM, 2014).[/efn_note] em sete grandes categorias[efn_note]A designação das quatro primeiras categorias segue a terminologia definida pela ANACOM.[/efn_note]:
(i) as situações com um plano tarifário nacional de acesso normal, fixo[efn_note]Para telefones começados pelo prefixo “2”, de acordo com o PNN.[/efn_note] ou móvel[efn_note]Para telefones começados pelo prefixo “9”, de acordo com o PNN.[/efn_note]; (ii) as situações com um plano tarifário nacional de acesso geral, sendo possível ainda classificar este grupo em dois sub-grupos consoante o indicativo e respectivo custo: (a) indicativo 800, para chamadas gratuitas e (b) indicativo 808, para chamadas com custo de chamada local;
(iii) as situações com um plano tarifário nacional de acesso único, correspondentes aos indicativos 707 e 708;
(iv) as situações com um plano tarifário nacional de serviço partilhado, correspondente ao indicativo 809;
(v) as situações com um plano tarifário nacional de serviço de valor acrescentado, correspondentes aos indicativos 601, 607, 608, 646 ou 648;
(vi) as situações com um plano tarifário nacional especialmente definido pelos operadores de telecomunicações para um número telefónico concreto[efn_note]Exemplos concretos eram, antes da entrada em vigor do art. 9.º-D-1 da Lei n.º 24/96, os números de suporte a clientes de telefonia móvel da Portugal Telecom (1696) e da Vodafone (16912), cujo serviço era taxado a 0,20€ por chamada atendida.[/efn_note] e
(vii) as situações com um plano tarifário internacional de acesso.
Práticas permitidas e práticas proibidas
Não há qualquer dúvida em relação ao facto de serem permitidas os dois primeiros tipos de situações, sendo possível a existência de CTR cujos números de telefone utilizam (i) um plano tarifário nacional de acesso normal, fixo ou móvel ou (ii) um plano tarifário nacional de acesso geral de tipo 800 ou 808[efn_note]Sendo necessário, no caso dos números 800 ou 808 indicar, respectivamente, o carácter gratuito ou o carácter de chamada de custo local.[/efn_note].
Também se afigura pacífico que a regra da limitação dos custos de utilização da linha telefónica definida pelo art. 9.º-D-1 da Lei 24/96 vem proibir quatro tipos de práticas históricas típicas:
(i) as práticas de cobrança autónoma de um valor devido pela disponibilização de linha telefónica para contacto no âmbito de uma relação jurídica de consumo, além ou até independentemente do valor da tarifa base[efn_note]Imagine-se a situação de cobrança de um valor devido pela disponibilização de linha telefónica para contacto no âmbito de uma relação jurídica de consumo cuja tarifa base é gratuita: a tarifa da chamada telefónica é gratuita, sendo contudo cobrado ao consumidor um valor autonomamente devido pela disponibilização da linha telefónica.[/efn_note];
(ii) as práticas de utilização de planos de numeração iniciados por 809, referentes a planos de chamadas de serviços partilhados,
(iii) as práticas de utilização de planos de numeração iniciados por 601, 607, 608, 646 ou 648, referentes a planos de audiotexto ou serviços de valor acrescentado e
(iv) as práticas de criação de planos tarifários especialmente definidos pelos operadores de telecomunicações para os serviços prestados através de números exclusivos do CTR[efn_note]Similares aos exemplos típicos, já anteriormente citados, dos números de suporte a clientes de telefonia móvel da Portugal Telecom (1696) e da Vodafone (16912), cujo serviço era taxado a 0,20€ por chamada atendida.[/efn_note].
O problema da legalidade de utilização dos números 707 e 708
Tem sido muito criticada a disponibilização de linhas telefónicas com o indicativo 707 e 708 para contacto no âmbito das relações jurídicas de consumo[efn_note]Cfr., por ex., (Tavares, 2015) e (Associação Portuguesa de Direito do Consumo, sem data).[/efn_note].
Apesar de a ANACOM determinar a fixação de preços máximos a aplicar nas ligações telefónicas para números iniciados pelos prefixos 707 e 708[efn_note]Cfr. (ANACOM, 2004).[/efn_note], para além das práticas de utilização abusiva ou camuflada destes números, constatamos que o valor a pagar pelo consumidor nestas comunicações é superior, (i) quer pelo facto de as chamadas para os números 707 e 708 não estarem incluídas nos planos de chamadas gratuitos disponibilizados, planos estes muito em voga actualmente, (ii) quer pelo facto de ser superior o custo por minuto das chamadas para os números 707 ou 708 em relação às tarifas base dos números fixos ou 808 e em relação à grande maioria das tarifas base dos números móveis.
Deve considerar-se hoje em dia que, com a entrada em vigor do art. 9.º-D-1 da Lei 24/96, pelo facto da sua utilização ter custos adicionais para além da tarifa base, é ilegal a disponibilização de um número 707 ou 708 no âmbito de uma relação jurídica de consumo.
O problema da legalidade de utilização dos planos tarifários internacionais
Nada obsta a que sejam utilizados números internacionais de telefone no âmbito de relações jurídicas de consumo no quadro do ordenamento jurídico português, devendo, contudo, a informação ser prestada em língua portuguesa[efn_note]Cfr. art. 7.º-3 da LDC e art. 8.º-3 do DL 134/2009.[/efn_note].
Devem considerar-se permitidos os planos tarifários internacionais nos mesmos nos mesmos termos em que são permitidos os planos tarifários nacionais, de acordo com o regime do art. 9.º-D-1 da Lei 24/96, ou seja, todos aqueles planos tarifários que, no caso concreto, não impliquem o “pagamento pelo consumidor de quaisquer custos adicionais pela utilização desse meio, para além da tarifa base”, devendo o consumidor ser expressamente informado desses planos tarifários.
A utilização de planos tarifários internacionais aparece frequentemente associada a operações de CTR de assistência pós-venda, podendo a sua utilização abusiva configurar situações de práticas comerciais desleais, quer nos termos gerais das acções enganosas previstas no art. 7.º do DL 57/2008, quer nos termos específicos das práticas comerciais enganosas em qualquer circunstância previstas no art. 8.º do DL 57/2008[efn_note]Cfr. (Leitão, 2015), p. 84.[/efn_note].
Problemas em aberto
Com a entrada em vigor do art. 9.º-D-1 da Lei 24/96, torna-se necessário perceber qual o regime aplicável (i) aos serviços onerosos de prestação de informações especializadas prestados exclusivamente por via telefónica e (ii) aos serviços onerosos de informação, assistência ou suporte técnico pós-venda prestados por via telefónica no quadro de uma pré-existente relação jurídica de consumo.
Em relação ao primeiro tipo de serviços, é de considerar que, tratando-se de serviços autónomos, correspondentes a uma actividade económica realizada exclusivamente por via telefónica, não é aplicável o regime do art. 9.º-D-1 da Lei 24/96.
Em relação ao segundo tipo de serviços, a aplicabilidade do regime do art. 9.º-D-1 da Lei 24/96 dependerá de uma análise casuística, face à legitimidade de definição de níveis diferenciados de informação, assistência ou suporte técnico pós-venda e da atribuição correspectiva de custos pelo profissional. Garantido terá que ser sempre, contudo, um serviço mínimo[efn_note]Um serviço mínimo será um serviço em que, pelo menos, será possível obter informações específicas sobre os procedimentos de assistência ou suporte técnico pós-venda relevantes no âmbito do contrato concreto.[/efn_note] gratuito de informação, assistência ou suporte técnico pós-venda prestado por via telefónica, independentemente da criação de níveis de serviço remunerados.
As utilizações abusivas dos planos tarifários no âmbito dos CTR e, em geral, no âmbito do relacionamento com os consumidores ou utentes poderão configurar situações com enquadramento (i) quer no regime da publicidade enganosa[efn_note]Cfr. art. 11.º-1 do DL n.º 330/90, de 23 de Outubro.[/efn_note] (ii) quer no regime das práticas comerciais enganosas[efn_note]Cfr. art. 7.º do DL 57/2008, de 26 de Março e (Melo, 2016b).[/efn_note].
Ressalva do art. 9.º-D-2 da Lei 24/96
Nos termos do art. 9.º-D-2 da Lei 24/96, o “disposto no número anterior não prejudica a aplicação do Decreto-Lei n.º 134/2009, de 2 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de junho, em tudo o que não contrarie a presente lei”.
Não se percebe esta ressalva do legislador, uma vez que nada existe no art. 9.º-D-1 da Lei 24/96 que possa prejudicar o DL 134/2009. O legislador terá pretendido eventualmente com esta ressalva chamar a atenção para o regime jurídico específico aplicável aos CTR, levantando, contudo, com esta chamada de atenção, várias questões adicionais.
Enquanto o art. 21.º da Directiva 2011/83/UE tem como epígrafe “comunicação por telefone”, o art. 9.º-D da Lei 24/96, ao fazer a respectiva transposição para a nossa ordem jurídica interna, tem como epígrafe “serviços de promoção, informação ou contacto com os consumidores”, epígrafe esta que, apesar de corresponder ao objecto do DL 134/2009, nos termos definidos no seu art. 1.º261[efn_note]De acordo com este art., o “presente decreto-lei estabelece o regime jurídico aplicável à prestação de serviços de promoção, informação e apoio aos consumidores e utentes, através de centros telefónicos de relacionamento”.[/efn_note], (i) é menos ampla que a expressão “comunicação por telefone”, uma vez que esta não se limita aos serviços de promoção, informação ou contacto e (ii) não encontra correspondência no próprio texto do art. 9.º-D-1 da Lei 24/96, uma vez que o preceito refere-se à disponibilização de uma linha telefónica de contacto no âmbito de uma relação jurídica de consumo, tendo esta referência a uma linha telefónica de contacto um âmbito de aplicação que transcende o universo dos serviços de promoção, informação ou contacto com os consumidores realizados através de CTR.
Este artigo aplica-se em todas as situações em que ocorra a disponibilização de uma linha telefónica de contacto no âmbito de uma relação jurídica de consumo[efn_note]Esta regra ganha uma particular importância e significado face à obrigação de informação do número de telefone a que o profissional está sujeito – cfr. art. 8.º-1-b) da LDC e art. 4.º-1-a) do DL 24/2014.[/efn_note], quer se esteja perante um sistema de CTR, quer se esteja perante um serviço de contacto que não possa ser qualificável como CTR[efn_note]Qualificação esta realizada nos termos do art. 1.º e do art. 3.º-a) do DL 134/2009.[/efn_note].